sábado, 4 de fevereiro de 2017

FORMULA 3: INTERLAGOS



1971 - Wilsinho venceu. Quando desce do carro é cercado por muitas pessoas. O abraço mais entusiasmado que recebe é o do irmão Emerson. Junto com o abraço, uma boa notícia: Susi foi para o hospital. Seu filho deve nascer até a noite.

Outra vez Wilsinho sobe no lugar de honra do pedestal da vitória. Agora apenas David Walker pode lhe roubar o título do Grand Prix Cidade de São Paulo. Para Walker conseguir isso precisa vencer domingo que vem e Wilsinho não pode chegar depois do quinto lugar.

Wilsinho ganhou as quatro baterias disputadas até agora. E tem pilotado de modo tão seguro que Emerson, nas voltas finais da última bateria de domingo (a mais emocionante de tôdas), não aguentou: 

"Nunca vi ninguém pilotar um Fórmula 3 como o Wilsinho. Êle anda no bôlo e não erra nunca. Eu costumava cometer alguns erros. Êle não".

Existem várias imagens de David Walker. A de vilão, mau-caráter e desleal, quando visto pelos pilotos brasileiros. A de bom volante e sujeito comum, quando visto por alguns corredores europeus. E a de homem pobre, que precisa lutar muito para vencer, quando êle fala sôbre si. Qual delas é a verdadeira?

"O grande problema dos brasileiros chama-se Emerson Fittipaldi. Êles precisam ser como Emerson e não são, nunca serão. Por isso precisam arrumar desculpas. Eu sou a mais usada delas".

"Emerson é bom, um dos melhores. Corri com êle um ano, mais de vinte corridas e nunca tivemos problemas. Êle tem três qualidades: sabe pilotar, tem boa idade e tem dinheiro. Eu tenho um grave defeito: sou pobre. Se eu tivesse dinheiro e cobertura, estaria na Fórmula 2 ou até mesmo na Fórmula1".

Opiniões sôbre Walker:

Barrie Maskell, pilôto inglês - É um dos melhores que existem. êle não é desleal, corre para vencer, como todos nós. E tem ganho muitas vêzes.

David Purley, inglês - Não comete erros à toa. Quando a bandeira baixa, êle se torna duro. Na F3 é preciso ser duro mesmo. A imagem dêle aqui é errada, bem errada. Pior que êle é o italiano Salvatti.

Claudio Francisci, italiano - Êle é atirado, costuma forçar a passagem. Em casos assim basta a gente saber responder à altura, que êle afina. Êle faz uma vez, a gente responde na hora e êle não faz a segunda.

Jose Carlos Pace - Êle foi advertido várias vêzes e isso não pode ser considerado como perseguição dos brasileiros.

José Lago, relações de imprensa - A fama dêle vem de longe, não é só aqui. Pessoalmente, êle não cria problemas, nunca me criou nenhum, e faz um ano que venho acompanhando as corridas de que êle tem participado.

Ascensorista, porteiro e garçom do Hotel Comodoro - onde Walker está hospedado. Gentil como pessoa, frio no tratamento. Todos os dias bebe meio litro de úisque, ou mais. Conhece bem o úisque que bebe. Não dá gorjeta.


David Walker é mulherengo. Durante a semana gosta muito de ir a boates. Já foi no Ton-Ton, no Cave, no Moustache. Peter Warr, chefe da equipe do Gold Leaf Team Lotus em São Paulo, sabe disso tudo:

"Para correr é preciso ter bom estado físico. Se Walker deixar de encontrar as bonitas brasileiras e de ir a boates, correrá bem no domingo".

Walker não ri, parece assustado e mostra uma timidez exagerada quando em presença de estranhos. Mas, ao sentir-se seguro, perde esta timidez (embora continue frio, distante).

"Ganhei um barco quando tinha oito anos e costumava velejar com êle lá na Austrália. Gostaria de ir passear de barco, esquecer todos os problemas, esta imagem errada que criaram de mim aqui no Brasil".

Vaidoso, mostra isso ao falar de sua vitórias. Embora nunca diga que se considera o melhor de todos, aponta revistas (como a "AutoSport", inglêsa) para provar que é o melhor.

"Venci o Lombank Trophy, o torneio mais importante de F3. Estava liderando outros dois, o Shell Motor e o Forward, quando sofri um acidente em Croft. A corrida valia para os dois torneios. Perdi a corrida e fiquei em segundo lugar nos dois".

Walker tem 28 anos, nasceu em Sidnei, na Austrália. Com dezesseis anos, na fazenda de seu pai, começou a se interessar por carros. Em 64 começou a correr e, em 66, foi para a Inglaterra fazer o curso de Jim Russell. Voltou para a Inglaterra em 68 e começou a correr com um Brabham BT-2.

"Por ser pobre aprendi a ter que lutar muito para vencer. Cada vitória minha é uma nova luta. Tôdas elas com um objetivo: chegar à F1. Fui convidado, mas isso ainda é segrêdo. No meio do ano, depois de tudo acertado eu falo a respeito. As emoções, as corridas, as brigas e os mal entendidos fazem parte do meu mundo. Eu gosto de minha vida, fui eu quem a escolheu. Mas às vêzes me dá vontade de largar tudo e voltar para o meu veleiro. Ficar sozinho no mar, sem ninguém por perto".



São treze homens diferentes, cada um com sua mania e sua diversões. Junto com seus carros de Formula 3 trouxeram para São Paulo o mundo que montam nas cidades onde vão viver suas alucinantes corridas.

Existe o excêntrico, que vai morar num hotel distante, que nunca aparece em lugar nenhum. É Alan Jones, australiano. Está sempre com o pai, até nos treinos. Seus únicos momentos sozinho êle passa dentro do carro, na pista.

Existe o brincalhão, desligado. È Barrie Maskell. Êle ficou nu no boxe em Interlagos, e não ligou para as mulheres que o olharam espantadas.

"Na era vitoriana, na Inglaterra, até as pernas da mesa eram indecentes. Agora estamos no ano de 1971, essas coisas não existem mais".

David Walker é o mais mulherengo. Seu companheiro de quarto e de equipe, Tony Trimmer, é o mais profissional. Um está sempre na paquera ou nas boates. O outro dorme cedo e está sempre na oficina.

O grupo dos italianos é o mais alegre e unido. Êles têm Claudio Francisci, o mais rico e que sempre gosta de mostrar isso. Têm Giovanni Salvatti, considerado da Máfia dentro e fora da pista.

Os italianos estão sempre se divertindo. Foram para Santos várias vêzes, formaram um time de futebol e desafiaram os brasileiros e os inglêses.

Giancarlo Gagliardi, um dos italianos, reclamou:

"Alguém pode me apresentar uma môça de família? Estou cansado do tipo de mulheres com quem a gente tem saído. Meu espírito é romântico, não comercial!".

Italianos, inglêses, o francês François Migault, os suecos (únicos que têm recebido assistência da embaixada) e os australianos vivem loucos pelo sol e pelas praias. Foram juntos a Santos, não quiseram esperar a balsa para o Guarujá e ficaram na praia do Gonzaga mesmo. Pareciam paulistas em Ipanema. Corriam na água, jogavam-se na areia.

Os casados formam um grupo à parte. Peter Hanson casou-se há vinte dias, Mike Keens casou-se há cinco semanas. Os dois casais estão ainda em plena lua-de-mel. Junto a êles ficam sempre os casais Jurg Dubler e François Migault.

Os casados vão nadar no Clube Samambaia e visitam juntos os restaurantes. Só uma vez saíram juntos com os solteiros. Foi na entrega do Disco do Mês, na boate New Ton-Ton.

Nessa noite todos viram bem a união dos italianos. Formaram um bloco à parte, tomaram um pileque genial (só perderam para Walker, o que mais tomou uísque) e cantaram, dançaram, falaram alto, Giovanni Salvatti mostrou suas qualidades. Arrumou várias môcas e transformou-se num apresentador. Bastava um amigo ficar sozinho para Salvatti apresentar uma môça.

De todos, o que aparece menos é Mike Beutler, o pilôto reserva. Êle ainda é repórter e está fazendo uma matéria sôbre São Paulo.

Os suecos Sten Gunnarsson (casado, a mulher não veio: está grávida) e Torsten Palm são quietos. Estão sempre acompanhados por um funcionário da embaixada da Suécia.

O mais alegre de todos, o que topa tudo e está sempre se divertindo é Barrie Maskell:

"Gostamos do Sol, das mulheres e da comida, embora ainda ninguém consiga comer o que quer, por não saber pedir. O leite é ruim e o uísque não é legítimo. Querem enganar a gente com um uísque errado. Pena que tem chovido, o pessoal está louco para ir a uma praia".