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1983 - Ingo, a estrela voltou a brilhar
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Ué ? Congestionamento para se chegar a Interlagos ? Pura verdade. Não era a Formula 1 nem congresso evangélico, mas o autódromo punha gente pelo ladrão. Um excelente trabalho da General Motors, que fez chamadas em rádio, Tv e jornais ... e divulgou bem a prova. Na prelimiar uma prova da Formula Fiat e show de acrobacias sobre duas rodas, com direito a um tombo espetacular (de Harley Davidson e tudo) de um PM/Equilibrista.
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A não ser um caminhão roubado da Equipe Havoline/Texaco, os dois dias de treinos não oficiais correram dentro das expectativas. Mas, no sábado, as cabecinhas borbulhavam. Na classificação oficial, com 10 minutos Luis Pereira virava a pole, seguido do parceiro Marcos Gracia, e parava nos boxes. No caso, excessiva confiança porque, logo depois, quem agarrava a melhor marca era Zeca Giaffone. E os dois, é claro, voltaram correndo para a pista, mas já vencidos pelo excesso de borracha e óleo no asfalto.
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Até quase o final, o grid permanecia inalterado com Zeca, Pereira e Gracia, os três melhores, virando na faixa dos 3m12s. De repente, o maior corre-corre. Alfredo Guaraná, voltando após longo afastamento e utilizando o quase inexpressivo equipamento que pertencera a Fábio Sotto Mayor, aplica a peça do dia: 3m11,76s , um segundo mais rápido do que Zeca Giaffone.
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Reina a confusão, e Jayme Silva, preparador de Zeca Giaffone, ensaia um protesto: " O que é ? A gente trabalha feito maluco e vem um monte de pé vermelho e vira este tempo ? Tem que lacrar agora ! ". Outros, também frustrados mas mais comeditos, preferem levar no sarro : " É o álcool batizado do Paulão. Só pode !"...
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Mas havia gente com menos emoção e mais razão. Affonso Giaffone era um deles: " O carro do Guaraná está absolutamente dentro do regulamento. Virou mal em todas as voltas e só em uma conseguiu este temporal. Ele passou um preparado nos pneus que deixa o composto amolecido. Mas também só dura uma volta. Malandro foi ele ..."
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Walter "Tucano" Barchi se arrastava pela pista durante os treinos. E ele explicava: "Tem um trem que passa nos fundos de Interlagos. Quando entrei na Curva 3 ele passou por mim, de passagem. E tava todo mundo na janelinha, dando adeus ..."
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Reinaldo Campello falava dos planos para tocar fogo na Stock Cars em nível internacional. Trazer Paul Newman para correr uma prova, bancado por alguma empresa. Ficou só na idéia.
Reinaldo Campello falava dos planos para tocar fogo na Stock Cars em nível internacional. Trazer Paul Newman para correr uma prova, bancado por alguma empresa. Ficou só na idéia.
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Por maiores ameaças, no final ninguém protestou coisa alguma e Guaraná permanecia tranquilo : Surpresa só foi para eles. Trabalhei sério e por isso virei a pole. Afinal, também sou filho de Deus..."
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Alencar Junior alinhava em quinto "Tenho motor redondo, para correr, não para classificar". Paulão, "O carro não para de falhar, é uruca..." em sexto. Nail Kodhair, com o terceiro carro da Havoline/Texaco, Affonso, Bolão e Fabio Sotto Mayor completavam os dez primeiros de um grid de 21 carros.
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Muitos pilotos pareciam mais tensos que o normal. Mas só Alencar Junior abria o jogo: " O Guaraná vai largar na pole, está com um carro mais lento e os tempos estão muito próximos. Ele não é de facilitar e vai acontecer um congestionamento absurdo. Vai dar acidente na certa."
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Os acidentes aconteceram, mas Guaraná não teve culpa em nenhum. Zeca Giaffone, na volta de alinhamento, previa maiores desgraças : " Tem tanta gente em pé no acostamento da Curva 2 que se escapar um carro mata uns vinte."
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De presságio em presságio, os carros alinharam, e Reinaldo Campello, que fundira um motor nos treinos e alinhava em último, aproveitava para avançar duas filas na largada. Campello, é claro, protagonizou o primeiro espetáculo. Acelerou tudo e veio costurando a galera até encontrar pela frente e pelos lados, Tucano e Neimer Helal. Então, batia, amassava bastante seu carro e rodava quase em frente à torre do diretor de prova.
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Guaraná escapulia, Luis Pereira na cola, Zeca, Gracia, Alencar, Affonso, Paulão já falhando, coletor quebrado, Bolão, Sotto Mayor e Ingo. Na terceira volta, o primeiro susto. O carro de Helal, avariado pelo entrevero com Campello, quebra a barra Panhard e capota em pleno Retão. Felizmente, só o susto e o Opalão fica trepado no guard-rail.
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Mais sufoco. Outra passagem e Marcos Gracia vem forte na Curva 3 , disputa uma freada e ... não tem freios ! Bate forte, destrói totalmente o automóvel e retorna a pé, intacto. Logo depois, quase no mesmo lugar, Kodhair e Paulo Valiengo entram juntos. O primeiro roda, acerta a lateral do segundo com violência incomparável, e mais dois carros fora da prova.
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Paulo Valiengo após o acidente que destruiu o seu carro desabafa: " E agora, como é que fico ? O patrocínio não cobre cacetadas. Para o Nabil, basta vender uma das Mercedes dele que tá limpo. E eu ? Vou ficar vendendo meus relógios o resto da vida ? ", choramingava ...
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Depois disso, o pessoal amansou. Guaraná já tinha abandonado na Ferradura, motor fundido. Ingo Hoffmann teve toda a sorte do mundo. Ungido pelas artimanhas do destino, classificou-se a duras penas na 14ª posição para o grid de largada e sua nova equipe a Shell/Luma, parecia amargar outro insucesso.
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No boxe, restava a energia sempre positiva do competente Norman Casari, coordenador, o único que demonstrava que o bom momento estava próximo. Ingo largou, ganhou algumas posições, conduziu com a garra habitual. Com alguns abandonos, subia para a quinta posição. Três voltas para o final vem em terceiro, longe. Na frente, pura emoção, Zeca e Luis Pereira decidem com quem vai ficar o caneco. Aí, a grande surpresa, Zeca, filtro da bomba de álcool entupido, vai para boxes. Luis Pereira, duas voltas para a bandeirada, o Opala começa a falhar e Ingo desconta uma barbaridade. Será que vai dar ? A insegurança provocada por anos de dissabores se manifesta. Ele treme, acelera no desespero e assume a dianteira.
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Uma volta a mais, uma volta interminável, e a bandeirada é dele. Os mecânicos, pulam na pista, a festa é inacreditável. As pessoas aplaudem, champagne, caneco gigante, coroa de louros, abraços e fotografias, Ingo sorri sem parar. Igual à primeira vitória. Parabéns, Alemão ...
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Para Ingo Hoffmann, foram dois anos e meio de frustrações contínuas. Durante 30 meses, a má sorte perseguiu impiedosamente esta grande estrela do automobilismo brasileiro e um dos poucos pilotos verdadeiramente profissionais do nosso esporte. Foi uma fase de contornos quase insuperáveis, onde as verbas de patrocínio começaram a perigar na mesma medida em que rareavam os bons resultados. Nas horas decisivas, surgia sempre um detalhe inesperado que arruinava por completo qualquer investimento financeiro, trabalho ou dedicação; um amortecedor quebrado, um motor que falhava, uma suspenção partida ou um acidente involuntário.
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Normalmente introspectivo, Ingo recolheu-se ao mais absoluto mutismo. Transformou-se num chato, o mau humor perene estampado na face e nas atitudes. Afinal, era compreensível. Sucesso no Brasil no início da década de 70, sucesso nas Formulas 3 e 2, Ingo poderia ter-se firmado, sem surpresas, no seletivo cenário da Formula 1. Mas pagou talvez pelo excesso de talento e imaturidade. Embarcou, e duas temporadas depois naufragou na malfadada Equipe Fittipaldi.
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De volta ao Brasil, remoeu o ranço da frustração mas continuou optando pelo profissionalismo. Piloto da mais pura safra, instalou-se na Stock Car, montou seu próprio esquema e acabou faturando um título (1980) em um desempate por número de vitórias com Alencar Jr.
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Autodromo de Interlagos - 03 julho 1983 - Pista seca
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- Ingo Hoffmann
- Affonso Giaffone
- Luis Pereira
- Pedro Queiroz Pereira
- Fabio Sotto Mayor
- Valcir Spinelli
- Walter "Tucano" Barchi
- Denisio Casarini
- Zeca Giaffone
- Paulo Gomes
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