sábado, 13 de outubro de 2012

1976 GERMAN GRAND PRIX




Nürburgring, Germany August 1, 1976 

" Quando eu posso voltar a correr ? "

As primeiras palavras do campeão Niki Lauda depois de quatro dias de luta contra a morte num hospital da Alemanha não poderiam soar mais patéticas.

Com queimaduras faciais de muita gravidade, inflamações pulmonares devido à inalação de gases tóxicos e complicações gerais que faziam com que seu estado clínico fosse muito ruim, o futuro da estrela máxima do automobilismo mundial, como piloto, não poderia ser mais incerto.

A manhã despontou seca, mas enevoada, nas montanhas Eiffel. A perspectiva de chuva aumentava com a espera para o início da corrida.

Depois da volta de aquecimento, a ameaça de chuva se tinha transformado em garôa em alguns pontos do circuito. As trocas para pneus de chuva começaram imediatamente, mesmo antes que os organizadores declarassem a corrida oficialmente disputada com chuva.

No entanto, dos 26 pilotos alinhados para a largada, um fora convencido por Jackie Stewart e Mike Kranefuss, diretor de competições da Ford Europa, a correr com pneus "slick". O jogador do "poker da chuva" era Jochen Mass.

Foi dada a largada para o Grande Prêmio da Alemanha, no circuito de Nürburgring.

Hunt o "pole-position", e Lauda largaram mal da primeira fila, e foram batidos até à primeira curva por Clay Regazzoni e Jacques Laffite. O brasileiro José Carlos Pace conseguia fazer a primeira curva em quarto lugar. Hans Stuck era o último a largar devido a problemas de embreagem.

Com seus 22 quilômetros de extensão a pista está seca em muitos lugares e completamente alagada em outros.

O único piloto a optar por pneus "slick" para o seco é Jochen Mass.

A primeira informação veio da região de Fugplatz. Regazzoni era ainda o primeiro, com Hunt em segundo, Ronnie Peterson terceiro, seguido de Pace e de Mass.

Em Breitscheid, Regazzoni, havia rodado e era quarto. Hunt liderava, Peterson e Pace vinham a seguir. Mass tinha perdido mais uma posição na pista ainda molhada.

Na zona do Karrussel, sêca, Jochen Mass conseguiu ultrapassar Laffite. Em Schalben-Schwanz, Regazzoni passava Pace.

Muita coisa estava acontecendo ao longo dos 22,8 Km do Ring com as condições variando de um momento para o outro. Era uma corrida de pista seca-molhada-seca.

Também nos boxes havia grande movimentação. A garôa acabara e a pista secava rapidamente com o vento. As equipes preparavam-se afanosamente para trocar pneus em 25 carros. Apenas Jochen Mass tinha acertado, em seu jogo de poker. 

Fim da primeira volta: quase que ao mesmo tempo, Niki Lauda, José Carlos Pace e Jody Scheckter encostam nos boxes para a troca de pneus.

De fato, os chefes de equipes estavam certos. Os pilotos, saindo da Tiergaten Schikane dirigiam-se logo para os boxes. Onze pilotos haviam optado pela troca de pneus.

A Ferrari e a Brabham do brasileiro partem juntas e já na primeira curva começam a ultrapassar os retardatários que preferiram continuar com pneus de chuva.

Passam primeiro Brett Lunger. Depois é a vez de Arturo Merzario e logo depois Harald Ertl.

No final da segunda volta, Mass estava destacado na frente, com Nilsson em segundo lugar, a 29s mas ainda com pneus de chuva. O primeiro carro já com "slick" era Hunt, a 49s.

Mass tinha o Grande Prêmio da Alemanha nas mãos. Seu jogo havia dado certo.

Apenas 14 carros tinham completado a segunda volta.

Depois da passagem do último, que veio aos boxes trocar pneus, o silêncio começou a se tornar cada vez mais pesado. Foram longos minutos de espera sem se ouvir nenhum som de motor. Algo de grave tinha acontecido.

Finalmente era anunciado pelo alto-falante que houvera um acidente em Bergwerk, na região do extremo norte do circuito.

Niki Lauda estava ferido e seu carro incendiara. Mas, que não era nada de grave. Que Lunger, Merzario, Ertl e Edwards socorreram o campeão do mundo. Que a corrida estava interrompida porque os carros desses pilotos obstruíam a pista.


De repente, com os cinco quase juntos, tudo começa a acontecer em frações de segundo.

Lauda perde o controle de sua Ferrari (seria uma roda traseira mal ajustada?), atravessa em frente aos outros, bate no guard-rail, volta à pista, colide com o carro de Harald Ertl, volta a bater no guard-rail e em questão de segundos a Ferrari número 1 é um mar de chamas.

Niki Lauda está dentro, desacordado.

Os três param e Merzario consegue retirar o companheiro do carro em chamas e deita-o ao lado do guard-rail, no acostamento.

No local, não há bandeirinhas. Não há ambulâncias.

Scheckter, Pryce, Watson e os demais passam pelo local e não diminuem.

A Ferrari continua a queimar. Ninguém pára...

A guerra já havia começado e não há lugar para o coração.

Ganha quem pisar mais fundo.

Ao vencedor, todas as glórias ...

Oito minutos se passaram até que apareceu o primeiro bandeirinha e quatorze até que a ambulância recolhesse um ser humano que lutava para viver.

De fato, o que aconteceu, de acordo com vários testemunhos, foi o seguinte:

Lauda larga muito mal da primeira fila, e quando parou nos boxes para trocar de pneus na primeira volta, era apenas oitavo. Voltou a largar atrás de Pace que também trocara de pneus nesse momento, levando mais tempo na troca.

Os dois voltaram à pista no momento em que Edwards, Ertl e Lunger completavam sua primeira volta, ainda com pneus de chuva, e continuaram sem parar. Na segunda volta, Lauda conseguiu passar o trio, mas não a Pace, que até se distanciou um pouco.

Lauda estava em dificuldades com a estabilidade do carro, segundo declarou Edwards, que o seguiu durante bastante tempo depois de ser ultrapassado. O piloto inglês chegou mesmo a pensar que Lauda iria bater por duas vezes.

Depois foi o acidente. Na curva esquerda de Bergwerk, com a pista sêca, feita facilmente a mais de 200 Km/h, considerada como uma reta, a Ferrari de Lauda desgarrou de repente para a direita e chocou-se com violência nas proteções.

Edwards conseguiu passar sem bater na Ferrari, mas o mesmo não acontecendo com Lunger que bate e a faz voltar para a pista em marcha a ré. Um dos tanques de gasolina da Ferrari foi desmanchado no embate com o Surtees e saltou para a pista, em chamas.

A dança dos dois carros acabou quando o Hesketh de Ertl chegou ao local, e o piloto também não conseguiu evitar a colisão, batendo contra a Ferrari, que por sua vez voltaria a bater no Surtees.

Arturo Merzario vinha atrás e conseguiu parar a tempo. Foram estes quatro pilotos que socorreram Lauda. O campeão estava envolto de chamas dentro do cockpit de seu carro. Comissários de pista ou bombeiros, nem sinal deles.

Infelizmente, Lauda, sob o efeito das dores da fratura da maça do rosto, tirara parcialmente o capacete. Seus pulmões ficaram sem a proteção contra os gases da combustão, dada pelo oxigênio de socorro, fornecido por uma garrafa ligada ao capacete por um tubo.

Quando os outros pilotos conseguiram finalmente retirar Lauda do braseiro, ele ainda andou alguns passos antes de ser deitado no acostamento e de perder os sentidos.



Emerson Fittipaldi e Brett Lunger verificaram se Niki Lauda não tinha fraturas. Longos minutos depois apareceu uma ambulância.

Foi então transportado para o hospital de Adenau, onde os médicos diagnosticaram apenas queimaduras no rosto, na nuca e nas orelhas. Como seu estado não era ainda considerado grave, foi transportado de helicóptero para o hospital de Ludwigshafen.

Ali, o diagnóstico foi mais grave: fratura das maçãs do rosto e do externo, e as queimaduras foram classificadas do terceiro grau.

Foi imediatamente decidido transferir o piloto para o hospital da Manheim, onde chegaria às 20 horas.

O efeito da inalação dos gases tóxicos desprendidos na combustão das matérias plásticas começava a ser sentido, e graves dificuldades respiratórias se manisfestavam, fazendo inclusive prever o pior.

" Odeio Nürburgring. Não há segurança. Em 22 quilômetros é impossível que a sinalização seja perfeita e o perigo é uma constante ", dizia Niki Lauda antes da prova.

" Odeio Nürburgring. Sei que lá ainda é o último lugar em que um piloto pode mostrar todo o seu potencial de perícia e de coragem, mas o automobilismo não comporta mais este tipo de heroismo ", dizia Jody Scheckter depois da prova.

E, no entanto, eles correm.

São famosos, são os últimos super-homens da raça humana e, principalmente, são pagos para isso.

Hoje, Niki Lauda se encontrar fora de perigo pelo menos no que concerne a seu estado clínico. Sua face disforme guardará provavelmente para sempre as cicatrizes de um acidente que quase o transforma em um dos 130 pilotos que já pereceram num circuito construído por Hitler para testar ao máximo a habilidade da "super raça ariana".

Mas, felizmente, Lauda resistiu à morte, e depois de uma semana estava considerado fora de perigo, embora se temesse que não poderia voltar a pilotar.

Regressado à Ludwigshafen uma semana depois do acidente, começava a ser submetido a operações de plástica para lhe devolverem um rosto humano.


O que sobrou da Ferrari do campeão do mundo

Qual terá sido a causa deste acidente que marcaria um ponto fulcral neste Campeonato do Mundo?

Um erro do Campeão do Mundo ?

Possível, mas improvável.

Segundo Guy Edwards, Lauda tinha quase saído da pista em duas ocasiões nessa volta, até sofrer o acidente. Sua primeira volta foi marcadamente medíocre, denotando qualquer problema anormal  na suspensão do carro.

Por outro lado, nem mesmo a fogosidade de Clay Regazzoni poderá explicar as três rodadas que o suiço deu nesse dia. Certamente alguma coisa de muito errado havia na suspensão dos Ferraris em Nürburgring.

O Comendador Ferrari anuncia em Maranello que abandona a pistas até a próxima temporada. Os pilotos começam um movimento para que não haja mais corridas em Nürburgring. Para os pilotos, o que estava definitivamente errado era o maravilhoso circuito de Nürburgring, com suas 174 curvas ao longo dos 22,8 Km traçados através do mais acidentado terreno de qualquer circuito em todo mundo. Para eles é inconcebível que um piloto, tenha de esperar tanto tempo para receber socorros por parte da organização.

E fica a pergunta: por que, depois de acontecer ?

Não bastou o exemplo de Montjuich na temporada passada? Por sinistra coincidência, Nürburgring era a volta de Rolf Stommelen a Fórmula 1. Rolf, a vítima de uma má organização na Espanha.

Foi necessário que Roger Williamson e Joseph Siffert fossem imolados em frente a milhares de pessoas para que medidas de segurança fossem tomadas.

E Niki Lauda ? De Niki, herói de uma semana atrás, somente o futuro nos responderá... 


Após o acidente de Lauda a largada foi anulada. O mesmo já acontecera no Grande Premio da Inglaterra.

Chris Amon que tinha chances concretas de uma boa colocação visto suas últimas performances, se negou a realinhar para largar. Ele que tantas vezes correu no Ring em tempos mais recuados, com condições de segurança muito menores, decidiu não alinhar para a segunda largada pois se sentiu desencantado com o circuito  com sua falta de serviços de emergência.

" De todos os pilotos da Fórmula 1 eu sou o mais antigo. Já vi muitas tragédias somente devido ao fato de nós, pilotos, não termos pulso para impor nossos interesses ". alegou Chris Amon para sua atitude.

Interesses, no caso, são suas próprias vidas.

A pista foi finalmente liberada depois do acidente de Lauda, e todo o ritual de largada reiniciado. Só que desta vez apenas 20 carros se encontrariam no grid. Além de Lauda, dos outros dois envolvidos no acidente, e de Amon, mais dois pilotos não largaram.

Hans Stuck, com os mesmos problemas anteriores de embreagem, viu que não daria para tentar novamente.

O Ligier de Laffite, tivera um toque na primeira volta com Clay Regazzoni e sua bateria ficara danificada; sem meio de dar a partida depois de parado no local do acidente, foi guinchado até à chegada, com o câmbio em neutro, o que engripou totalmente visto sua lubrificação ser do tipo cárter seco.

Obviamente, após o exemplo de Jochen Mass todos alinharam com pneus slick e James Hunt partiu na liderança que terminou com a bandeirada final.

A corrida não foi mais do que uma formalidade para James Hunt, que largou muito melhor do que da primeira vez, e comandou a prova da primeira à última volta. Com essa vitória, a terceira consecutiva, Hunt alcançou o total de 44 pontos e agora, sem a mais do que incômoda presença de Niki Lauda ficou muito mais fácil amealhar os 14 pontos que lhe garantirão o título mundial. A não ser, como aconteceu em 1970 com Jochen Rindt e Emerson Fittipaldi, apareça alguém que garanta para um enfermo campeão outro título mais do que meritório.

As deficiências da Ferrari nesse fim de semana foram grandes demais; seus dois pilotos rodaram cinco vezes. Numa destas rodadas, Regazzoni eliminou Depailler na primeira volta.


A segunda largada com Hunt na ponta

Mais uma vez não foi um fim de semana feliz para a March. Nenhum de seus três carros terminaria a corrida, e dois, Peterson e Brambilla, foram destruídos em violentos acidentes.

José Carlos Pace fez uma excelente corrida apesar de muita febre que o prejudicou fisicamente durante o fim de semana. Não pôde manter o segundo lugar que ocupou durante a primeira volta devido à injeção deficiente.

Rolf Stommelen voltou à Fórmula 1, correndo no Brabham BT45 reserva.

Emerson Fittipaldi foi prejudicado por uma demasiada tendência substerçante do Copersucar. Jody Scheckter foi um brilhante segundo, tendo feito a volta mais rápida. De lamentar que seu companheiro de equipe, Patrick Depailler, cuja condução se adapta melhor a este tipo de circuito, tenha abandonado nas primeiras voltas devido a um acidente provocado por Regazzoni com o Ferrari comportando-se estranhamente.

Durante os treinos a grande tônica foi mesmo o entrevero entre Loris Kessel, piloto de péssimas qualidades e a Equipe Ram Thursday's de John McDonald.

A Equipe Ram, recebeu no início do ano os dois Brabham BT44 que pertenciam à equipe oficial e ainda eram material muito competitivo.

O único motivo da troca foi que ao assinar contrato para usar motores Alfa Romeo, Bernie Ecclestone se vi na obrigação de refazer todo o conjunto suspensão/chassi para resistir aos pesadíssimos 12 cilindros.

John McDonald, conhecido chefe de equipe inglês na Fórmula 5000 e famoso por suas manobras nem sempre muito honestas, assumiu o comando da equipe de dois carros e tratou de arrumar quem financiasse o funcionamento da equipe.

Imediatamente apareceram vários candidatos, a maioria com muito dinheiro e pouco braço. McDonald optou pelo suíço Loris Kessel que levou consigo para a equipe o patrocínio dos relógios Tissot, cerca de 2,2 milhões de cruzeiros.

Apesar de várias tentativas, Kessel só se classificou para largar em uma prova e a partir do Grande Prêmio da Inglaterra, disse que não pilotaria mais o carro e que queria o dinheiro de volta.

McDonald então, afirmou que se ele quisesse, poderia continuar a pilotar mas a "grana", de jeito nenhum. E, partindo da palavra à ação, inscreveu Bob Evans com o carro de Kessel, e o inglês até que não se saiu mal.

No Grande Prêmio da Alemanha, o mesmo carro estava inscrito para Rolf Stommelen, mas aí, o "circo pegou fogo".    

Jody Scheckter foi segundo e fez a volta mais rápida

No sábado à tarde, Loris Kessel apareceu no autódromo, cercado de policiais, advogados, juízes e um contingente de curiosos e na presença do estupefato McDonald a "gang" entrou em ação.

Os dois carros, o caminhão, 4 motores e toda a ferramentaria ficou sob custódia da justiça alemã até que se chegue a uma definição de quem está certo.

Obviamente, o inglês e seus mecânicos voltaram para a Inglaterra de avião e de mão no bolso. Como, nem McDonald, nem Kessel são muito chegados aos negócios muito claros, é bem capaz da Brabham/Ram terminar seus dias num parque de diversão servindo de entretenimento á garotada.

Nos treinos a pole ficou para Hunt com 7m06.5s, seguido de Lauda com 7m07.4s. Logo depois ficaram Depailler 7m08.8s, Stuck 7m09.1s que neste circuito "anda até de costas", Regazzoni, Laffite, Môco e Scheckter.

Lella Lombardi com Braham BT44B/2 e Henry Pescarolo com Surtees TS19/1, não se classificaram para a largada.

Durante a prova Emerson sempre correu no pelotão traseiro e terminou na 13ª colocação, último dos classificados na mesma volta.

Na semana seguinte, duas antes do Grande Prêmio da Áustria, o Copersucar deu os primeiros sinais de que poderá se tornar um carro competitivo ao virar 2/10 pior do que o recorde do circuito de Silverstone, após algumas modificações introduzidas por Phillipe.

Resultados:
  1. James Hunt / McLaren M23/8-2
  2. Jody Scheckter / Tyrrell P-34/3
  3. Jochen Mass / McLaren M23/9
  4. José CarlosPace / Brabham BT45/4
  5. Gunnar Nilsson / Lotus 77R2
  6. Rolf Stommelen / Brabham BT45/1
  7. John Watson / Penske PC4/01
  8. Tom Pryce / Shadow DN5/5B
  9. Clay Regazzoni / Ferrari 312 T2/025
  10. Alan Jones/ Surtees TS19/2
  11. J.P.Jarier / Shadow DN5/4B
  12. Mario Andretti / Lotus 77/R3
  13. Emerson Fittipaldi / Copersucar FD04/3
  14. A.P.Rossi / Tyrrell 007/4
  15. Guy Edwards / Hesketh 308D/2


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