sexta-feira, 14 de março de 2014

JORGE WILHEIM



O que refletem os brilhantes vidros, os vidros espelhados, os vidros negros dos apinhados edifícios da avenida Paulista ?

Modernidade e subdesenvolvimento.

Cumpre assim a arquitetura o seu destino como objeto de cultura: ser o mais fiel espelho da sociedade, denunciando a beleza e a feiúra que nela habitam.

Transparências deixam passar excesso de luz, de calor e de indiscrição. Pouco importa o desconforto. Pois, como pode o arquiteto evitar a tentação, quando não a determinação do cliente, de reproduzir para o embasbacamento geral, os negros brilhos das fachadas da Avenue of Americas? Pois o padrão da modernidade está ai: nas novaiorques do mundo.

Contudo, às vezes o bom senso redime os arquitetos e os faz remar contra a corrente.


































Mesmo na Avenida Paulista, há casos em que modismo são afastados e a arquitetura controla a luz com sabedoria, emoldura a paisagem com carinho, oferece aos sentidos a solidez de paredes; os espaços então abrigam e aconchegam pessoas em cantinhos adequados.

A Avenida Paulista é o carro-chefe da modernidade arquitetônica; a isto foi levada por sua história; em 1890, Joaquim Eugênio de Lima, José Borges de Figueiredo e João Augusto Garcia traçaram e abriram a nova avenida: orgulho e espanto provincianos, pois muita gente se perguntava por que tão larga e bonita se tão longe da cidade ?

A resposta era simples, porém não dita: o loteamento da Chácara Bela Cintra, ao qual se procedeu logo em seguida.

E a Paulista foi ocupada com os símbolos da modernidade de então: os padrões culturais do empresário novo-rico, reproduzindo neo-classicismos, neo-orientalismos e outras vagas lembranças das terras familiares de antanho.

Houve exceções: entre elas, a do sólido palacete projetado por Dubugras, no terreno onde hoje se incendeia o Conjunto Nacional. ( Aliás, um aviso: este mês é mês de demolição do último palacete existente, projetado por esse arquiteto; é na rua São Vicente de Paula, entre árvores frondosas a serem, igualmente, derrubadas; somos, mesmo, uma sociedade autofágica e sem-vergonha !)




A Avenida Paulista, privilegiado palco de ostentação e sucesso empresarial é _ poucos têm disto consciência _ um pequeno trecho da espinha dorsal de São Paulo:

O chamado espigão central, cujos 13 Km começam na estação rodoviária do Jabaquara e terminam na caixa d'água do Sumaré.


















Dum lado, desce-se até o canal do rio Tietê e seu afluente Tamanduatei (lembram-se do outro afluente, O rio Anhangabaú, que jaz canalizado? ); do outro lado, desce-se até o canal do rio Pinheiros.

Divisor de águas, o espigão central era conhecido como as matas do Alto do Caaguaçu; a partir da tacanha vila de São Paulo, este espigão foi alcançado e atravessado por estradas diversas: o caminho para as fazendas de Pinheiros (reduto de escravos alforriados e fugitivos ) subia pela atual Consolação, descendo pela Teodoro Sampaio; quem demandava o litoral (então pensava-se no porto e não na praia; éramos mais sérios ...), subia pela encosta da Vergueiro, alcançando a região de Vila Mariana, em que alemães cultivavam suas chácaras no século passado.





Apesar de já asfaltada em 1908 (quando "lobby" deve ter havido para esta prematura e valiosa pavimentação ...) a região da Avenida Paulista foi ocupada densamente apenas depois da abertura da segunda pista da Rebouças (1930/40), na ocupação da abertura da 9 de Julho (1939) e do vale do Pacaembu (1930).

Sua ocupação foi residencial. Mas não é só Macunaíma quem fez as coisas de sarapantar!

O especulador paulista também. O violento crescimento da década de 50 preencheu vazios urbanos e extravasou o centro. Mal houve tempo para redefinir, em prédios de apartamentos, o caráter residencial da Avenida. pois, uma vez desbravadas as alturas com o Conjunto Nacional (1956) ninguém mais segurou a fúria construtiva e autofágica que transformou a Paulista em concentração de edifícios de escritórios e bancos.







Os tempos eram outros, os padrões culturais diversos.

Mas a dimensão dos terrenos permaneceram. E assim, pouco a pouco, acotovelaram-se edifícios que "cuidadosamente" impediam a insolação dos vizinhos.










A Paulista estende-se do nascente ao poente; assim sendo, o lado ímpar tem fachadas voltadas para o sol do norte; mas o lado par tem fachadas que nunca vêem o sol; quanto as fachadas laterais, há sempre, de cada lado, um vizinho a 6 metros de distância impedindo a vista e a insolação mas, por outro lado, devassando nossa privacidade.







Em 1964 (tão distante e tão presente) propus uma nova Paulista, sugerindo inseri-la no eixo viário do espigão central, criando calçadões, parques lineares, comércio subterrâneo e rodoviárias nas cabeceiras.


Essa proposta não permitia a aprovação de edifícios em terrenos com menos de 30 metros de testada, a fim de evitar o apinhamento e a falta de insolação.

A reação foi imediata: em uma semana 12 proprietários pediram a aprovação de projetos improvisados, em terrenos de testada menor, a fim de garantirem contra a eventualidade da Prefeitura acordar e pretender, de fato, preservar o espaço urbano criando uma Paulista Nova.






1978. 

Algo foi feito:

há até uma Nova Paulista, um tanto capenga, se pensarmos no que poderia ter sido; ainda se esquece que faz parte de um espigão que deveria receber tratamento homogêneo.

Mas a comunicação visual é cuidada, há tentativa de plantar algum verde e outras cores; há mesmo alguns edifícios corretos e bonitos, competição amesquinhada pela falta de espaço:

perus no pires.

A prateleira de ostentação está por demais cheia.

Os reflexos das fachadas da Paulista espelham qual grandeza?

A da especulação e a do abuso do solo.


Uma avenida moderna, cosmopolita e contraditória, pois não pode escapar ao contexto do subdesenvolvimento, com sua mesquinhez e seu modismo cultural.




1928 - 2014