sábado, 4 de outubro de 2014

ROSINEI CAMPOS


"MEINHA"


Na verdade em 1979 eu só conhecia automobilismo desde a metade da temporada anterior.

Muito pouco, não ?

Acho que esta etapa, a nona da primeira temporada da Stock Car, foi um divisor de águas na minha vida, com a vitória, primeira também, do Raul Boesel.

Eu iniciei na temporada de 1978, preparando o Opala Classe C do Raul Boesel.

 Trabalhava com o Scuri, um alemão com nome de japonês, e no primeiro contato achei estranho porque para mim carro de corrida era monoposto, não um Opala daquele tamanho.

O Scuri era um poliglota, trazia livros em francês, alemão e inglês e buscava informações técnicas que a gente tentava adaptar para o nosso regulamento. Então fui pegando as primeiras manhas, mas era difícil, porque os Opalas da Stock Car inovavam com o motor 250/S e tucho mecânico, antes, era tucho hidráulico.

Eu não sabia nada, cada corrida era uma experiência, um novo aprendizado. Os irmãos Giaffone e o Ciro Cayres, da GM, nos deram a maior mão, passavam o bê-a-bá. Eu estudava física, assimilava as dicas do Scuri na teoria e aprendia na prática. Tinha uma enorme força de vontade.

Aquela vitória do Raul foi fundamental porque ele derrotou em Tarumã o Alencar Jr, o Paulão e o Affonso, favoritos na briga pelo título. 

Foi minha arrancada profissional.

O Raul me deu esta chance ao me nomear o "gerente" do carro, embora eu fosse um mecânico que trabalhava para o Scuri. Se bem que a equipe inteira era de duas pessoas, eu e meu primo. 

Agarrei a chance com tudo e desenvolvi minhas próprias idéias. Esta vitória foi debaixo de uma chuva tremenda.

Lembro bem naquela temporada de uma prova marcante em Brasília, chegamos lá como equipe realmente pobre, sem quase nada de equipamentos ou peças de reposição. Não tínhamos estrutura nem física nem de pessoal, e levamos a bandeirada praticamente empatados com o Affonso. Foi uma grande realização.

Em Fortaleza, também me lembro, eu estava absolutamente só, e trabalhava no carro apenas com a ajuda de alguns amigos do próprio Raul. Chegamos a andar na frente, mas tivemos problemas e tive que arrancar o câmbio. 

Eram duas baterias, eu não tinha força e convocamos os caras. No quase improviso o Raul saiu duas voltas atrasado, andou na frente do líder e ainda conseguiu a melhor volta da prova. Aí ele chorou muito dentro do carro. Estas coisas a gente não esquece.

A GM também estava atenta e intermediou uma permuta para que o Jornal O Globo patrocinasse nosso carro.

Saudades daquela época eu não tenho, mas muitas lembranças, sim.

Hoje, com tantos números envolvidos; público, mídia, expectadores, patrocinadores, vivemos sob muita pressão. Tem de dar tudo muito certo, não pode haver a mínima falha. Hoje a gente anda em nono, três décimos atrás do mais rápido, e é uma desgraça. É, difícil, e você tem de ter convicções e respostas.

Pilotos bons daquela época eram o próprio Raul, Affonso, o Paulão, Alencar Jr...

Tinha também uns bons mais meio espevitados, como o Palhares. Na pista eles se equivaliam em desempenho, mas no início o Paulão era o mais maluco, o mais rápido.

Com a exigência da utilização do Álcool, no meio da temporada, foi a maior correria, ninguém entendia nada. Só sabíamos que os motores deviam ter a taxa de compressão aumentada e a mistura enriquecida. Mais nada.

Festa mesmo foi quando tiveram de liberar quantidade e tipos de carburador. Ficou todo mundo inventando alternativas, um circo: tudo na unha, tudo na mão e tudo instável. Errava-se muito.

Foram muitas épocas de medo, insegurança. Ninguém podia projetar o ano seguinte, mas eu sentia sempre uma tremenda obstinação em todo o grupo. Diante de tanta comunhão, não poderiam simplesmente acabar com a Stock Cars.