segunda-feira, 27 de julho de 2015

NELSON PIQUET #5


- Você pilota automóveis de corrida, avião, helicóptero e ultraleve. Do que você tem medo, afinal ?

_ Outro dia, eu fiz uma reunião aqui em casa e comecei a perguntar sobre alguns amigos que não via há muito tempo. Um tinha morrido numa batida de carro; o outro foi viajar e teve um acidente na estrada; o terceiro bateu no poste. Pelas minhas contas, perdi uns dez amigos em acidentes de automóvel. Então, é disso que eu tenho medo: eu tenho medo do trânsito.

- Você tem seguro de vida ?

_ Tenho dois tipos de seguro. Um é o seguro de acidentes, que cobre despesas médicas e hospitalares até o limite de 500 mil dólares; o outro é o seguro de vida, no valor do meu contrato com a Lotus.

- E que valor é esse ? (Os cálculos oscilam entre 5 e 6 milhões de dólares por ano).

_ Sobre isso eu não falo.

- Então, vamos mudar a pergunta: quanto ganha um piloto de ponta hoje na Fórmula 1 ?

_ O Ayrton andou dizendo que vai ganhar 21 milhões de dólares da McLaren por um contrato de três anos. Ou seja, 7 milhões por ano.

- Se for isso...

_ Tá bom demais (rindo). Nem o Prost, que está lá faz tempo, ganha tanto.

- Fora o contrato, de onde mais os pilotos tiram dinheiro ?

_ Tudo depende do que é acertado com a equipe. Em tese, dá pra faturar com publicidade, ganhar os prêmios das corridas e ainda levar um bicho extra, se for campeão.

- Atualmente, quanto um Grande Prêmio paga em prêmios ?

_ O prêmio, na verdade, é para o carro e, como eu disse, o piloto leva a porcentagem que estiver estipulada em contrato. O valor é praticamente o mesmo para todos os Grandes Prêmios: hoje, se você largar na primeira fila, ganhar a corrida e ficar na liderança o tempo inteiro, pode faturar aí uns 200 mil dólares.

- Há pouco tempo, o Ayrton Senna se declarou um tanto desencantado com a Fórmula 1. Disse que as corridas hoje são feitas de muito business e pouco esporte. Você concorda ?

_ Claro que o lado do business é muito forte. E pra gente isso é ótimo, porque estamos arriscando a vida e ao mesmo tempo ganhando muito dinheiro. Agora, quando o diretor de prova dá a largada, o que predomina é o esporte. Você pode conferir pelos próprios resultados: entra ano, sai ano, quem ganha são sempre os melhores.

- Na Fórmula 1 não tem trambique, não tem marmelada ?

_ Como você vai trambicar 16 corridas ?. Não tem jeito. O "seu" Salazar com uma equipe de merda pode correr 500 anos que nunca vai ser campeão.

- Por falar em trambique, em 1982 você venceu o Grande Prêmio do Brasil e depois foi desclassificado porque os comissários encontraram uma irregularidade no seu carro. Você nunca se conformou com isso, não é ?

_ Aquilo foi uma grande jogada política da Ferrari e da Renault, que naquela época dominavam a FISA. O caso foi julgado oito meses depois da corrida e eles inventaram um regulamento que só valeu para aquela prova, só para me tirar os pontos. Tanto é verdade que em Long Beach o carro era igualzinho e não deu nenhum problema.

- Os comissários cismaram com o quê, afinal ?

_ O regulamento dizia que, depois da corrida, na hora da pesagem, você podia reabastecer o carro com combustível, lubrificantes e líquidos refrigerantes. Então, o que fez o Gordon Murray, o nosso projetista ? Construiu um carro 40 quilos mais leve e inventou um sistema de refrigeração de freio com um reservatório de água de 40 litros.

- E precisava de tudo isso ?

_ Não. Então, a gente saía para a corrida com 5 litros ou com nenhum, sei lá. No meio da prova ou no final, a gente completava o reservatório e chegava no peso mínimo exigido no regulamento.

- De qualquer forma era uma burla ao regulamento.

_ Discordo. O regulamento é que era mal feito. Hoje não é mais permitido reabastecer o carro, mas na época era e nós apenas descobrimos um jeito de tirar proveito dessa falha.

- Ao longo de sua carreira, você já teve alguma sacada, algum truque como esse do Gordon Murray que, depois, acabou sendo copiado pelos concorrentes ?

_ Hoje, por exemplo, todo mundo aquece os pneus antes de botar pra rodar num Fórmula 1. Nos tempos de Fórmula 3, eu esquentava o carro inteirinho. Armava uma casinha de lona em cima e esquentava tudo. Isso em 1978.

- Desde os tempos de Emerson Fittipaldi, os torcedores daqui sonham com um brasileiro pilotando uma Ferrari. É um sonho possível ?

_ Olha, muito mais gostoso que dirigir uma Ferrari é derrotar a Ferrari. Eu explico por quê. Se eu estou na Ferrari e ganho uma corrida, a manchete dos jornais lá fora vai ser assim: "Ferrari ganha com Piquet". Eu prefiro outro tipo de manchete: "Piquet ganha com a Lotus". Além disso, o negócio deles sempre foi pegar piloto novo e pagar pouco. Aí, quando o cara acerta e pede pra ganhar mais, eles pulam fora. A Ferrari acha que está te fazendo um favor ao permitir que você dirija os carros dela, e não é nada disso, pô !

- Desde a morte do Gilles Villeneuve, suas relações com a equipe estão meio estremecidas, não é ?

_ Fiz críticas ao carro e não à equipe. Acontece que o carro era uma merda, um lixo em matéria de segurança, e os caras sabiam disso.

- Você está dizendo que se fosse outro carro o Villeneuve escapava com vida do acidente ?

_ Sem dúvida. Ele foi destroçado como uma galinha. Eu parei lá e vi o carro. Os parafusos que prendiam o cinto de segurança no monocoque foram arrancados, mas só os da parte de baixo. Então, o que aconteceu ? Como o corpo ficou solto na altura da cintura, ele escorregou para baixo e o Villeneuve acabou sendo praticamente estrangulado pela parte de cima do cinto. Claro, depois soltou tudo e ele voou longe, mas a essa altura o pior já tinha acontecido.

- Quer dizer que o fato de ele ter sido lançado violentamente pra fora do carro não foi a causa da morte ?

_ Não. Fora o problema do pescoço, ele saiu do acidente apenas com uma clavícula quebrada. Os engenheiros da Ferrari ficaram putos com as minhas críticas, disseram que eu não era técnico no assunto e não podia falar nada. Ora, não precisa ser nenhum técnico pra saber que o carro não prestava. O Didier Pironi também tomou as dores da equipe e me mandou calar a boca. Eu disse a ele pra deixar de ser burro, tentei explicar que ele só tinha a ganhar com as minhas críticas. Ele não me ouviu. Um mês depois teve um acidente e se quebrou inteirinho, ele e a sua Ferrari.