quarta-feira, 4 de maio de 2016

O CAVALINHO PRÊTO SÔBRE FUNDO AMARELO


1954 - Com pouco mais de 50 anos de idade, Enzo Ferrari é conhecido, no mundo inteiro, como o "mago da velocidade". Possuidor de um gênio forte, dinâmico e um tanto intransigente, responde invariavelmente às perguntas sôbre as sua atividades da seguinte maneira: " Sou um mecânico ".

Esta é a verdade, Ferrari é um gênio da mecânica. Já aos 13 anos de idade dirigia automóveis, e esquecia-se da escola. Finda a Primeira Guerra Mundial, em 1919, escolheu a profissão de pilôto de provas de automóveis de corrida, tendo por mestre o pai do atual campeão Alberto Ascari. Ferrari referia-se a Antonio  Ascari como o "Grande Mestre".

Tornou-se, em 1920, pilôto de provas da Alfa Romeo, permanecendo por mais de vinte anos nesta tradicional organização. Como corredor, conquistou muitas vitórias, sendo o ano de 1929 o mais destacado de sua carreira.

Fundou, no mesmo ano, a "Scuderia Ferrari" , dando assim o primeiro passo para a concretização de sua teoria: " Só se pode levar à vitória um team de corridas de automóveis, criando uma organização composta exclusivamente de técnicos, mecânicos e operários altamente especializados ".

A teoria correspondia a uma verdade. Alguns construtores de carros de passeio tinham conseguido vencer em provas de velocidade com carros de sua marca adaptados a competição, mas tudo fazia prever a modificação do panorama das corridas. Diante do trabalho realizado pelos entusiastas especializados, não poderiam mais os construtores em grande escala pretender aos primeiros lugares. Não é possível criar o clima de entusiasmo e o amor à luta no vasto recinto anônimo de uma fábrica onde imperam a orientação comercial e a vontade de construir um veículo prático e simples.

Reina na Oficina Ferrari uma verdadeira febre de vitórias. Todos procuram a perfeição. Torna-se difícil descrever tão complexa mistura, onde entra o orgulho pessoal de cada um, desde o "Grande Patrão" até o polidor de carroçarias, passando pelos desenhistas, os engenheiros, os mecânicos e os pilotos.

Concorre para o resultado final o espírito científico do qual nascem as grandes descobertas que irão beneficiar a indústria automobilística mundial. Existe enfim o patriotismo: todos desejam ardentemente a vitória dos carros pintados de vermelho, côr dos bólidos italianos. É recompensa para todos quando ouvem o hino nacional logo após a chegada do vencedor...

Em oposição à grande fábrica de automóveis de turismo, existe muito lugar para a improvisação e a inteligência individual numa pequena "scuderia". Assim realizou-se o sonho de Enzo Ferrari.

Um de seus melhores amigos, o campeão dos campeões da Força Aérea Italiana, Francesco Baracca, morto durante a Primeira Guerra Mundial, idealizou o emblema da scuderia: um pequenino cavalo prêto empinado, destacando-se num fundo amarelo. " Dar-lhe-á sorte ", disse êle.

Nasceram e brilharam muitas estrêlas do esporte automobilístico no primeiro têrço do nosso século.

Ainda nos lembramos com saudades de Brívio, Borzacchini, Campari, Cortese, Marinoni, Nuvolari e Varzi. Todos êles concorreram, ao volante dos carros de Enzo, para os inúmeros sucessos dos Alfa Romeo inscritos por Ferrari.

Não seria justo deixar de lembrar o nome de um dos homens a quem mais deve Ferrari, o chefe mecânico Bazzi, outro gênio na sua especialidade.

A partir de 1930, a organização Ferrari cresceu incessantemente, passando a disputar cada vez maior número de corridas, no continente e do nosso lado do Atlântico. Apoiada pela Scuderia Ferrari a fábrica Alfa Romeo acumulava vitórias. Em 1936, após sete anos apenas de atividade, inscrevera-se a Scuderia em 343 corridas, conquistando 124 primeiros lugares e 150 segundos e terceiros.

Impressionados pelos brilhantes resultados obtidos por Enzo Ferrari, os dirigentes da Alfa Romeo resolveram criar um Departamento de Corridas dentro da fábrica, absorvendo a organização do "mago". Tal determinação não poderia ser do agrado do fogoso e independente Ferrari. Pouco depois, em 1939, resolveu reconquistar sua independência, separando-se da fábrica Alfa Romeo.

Passou então à realização da segunda parte de seu programa: fabricar êle próprio seus carros de corrida. Poucos meses depois estava pronta a oficina de Maranello e, logo em seguida, nascia o primeiro carro Ferrari, o modêlo 8C1500.

Os testes do primogênito de Enzo foram feitos pelo jovem Ascari, filho do "Grande Mestre" e futuro campeão do mundo para 1952. Interrompeu a guerra as atividades em Maranello, tendo sido destruída mais da metade da oficina durante um bombardeio. Poucos meses depois do armistício, Ferrari tratou de reparar os danos.

Nunca soube o "mago da velocidade" o que é desânimo. Mais ainda, resolveu recomeçar com maior número de trunfos; contratou os serviços dos melhores engenheiros e técnicos italianos do momento : Bazzi, Colombo, Galetto, Gilberti, Lampredi e Navone. Nasceu em breve um novo carro de corrida, o "125"; êste, após os imprescindíveis prazos de testes e aperfeiçoamentos, colheu louros em profusão. Daí em diante a oficina de Maranello desenvolveu-se, transformando-se numa pequena fábrica de reputação.

A partir de 1949, o desenhista Aurelio Lampredi passou a ocupar o pôsto de chefe do escritório de desenhos. Sua primeira obra foi uma obra de arte. Referimo-nos ao motor 12 cilindros em V de 3,3 litros de cilindrada (72X68 mm), nascido em 1950, pouco mais tarde modificado. O diâmetro do pistão passou para 80 mm com a respectiva cilindrada de 4.102 cc. Tal era a qualidade do desenho do V12 que ainda se conseguiu, dois anos mais tarde, um aumento da potência por aumento do curso (74,5 mm), passando a cilindrada para 4.500 cc, que corresponde à Fórmula 1.

Não se iludam os leitores. Para possuir um automóvel capaz de deixar para atrás qualquer automóvel de luxo de qualquer procedência, é preciso gastar dinheiro, muito dinheiro. Um Ferrari custa de 3 a 5 vêzes o preço de um Cadillac...

Os automóveis Ferrari conquistaram, em pouco tempo, inúmeras vitórias nas pistas de corrida. Conquistaram igualmente a reputação de carros "fabulosos". Em matéria de veículos velozes e seguros a fria realidade corresponde a tudo que se tem dito e escrito sôbre êles.

O Ferrari é um carro destinado a esportistas evoluídos ou a corredores profissionais, no qual tudo foi sacrificado à velocidade pura e à estabilidade.

Não admira, portanto, que o motor seja barulhento, tão barulhento dizem os americanos, que é preciso desligá-lo para entender a resposta do guarda do trânsito a quem pedimos uma informação. Para o leigo, o ruído produzido pela transmissão é de tal ordem que assusta a ponto de perguntar se a caixa de mudanças não está partida. Os freios de potência invulgar requerem uma pressão do pé que poucas senhoras poderão aplicar. A pequena alavanca de mudanças exige por parte do motorista ( ou corredor?) uma certa habilidade. Mas, para quem dá especial valor às performances e à sensação de dominar absolutamente a estrada em que estiver trafegando, não existe automóvel mais maravilhoso que o Ferrari, seja qual fôr o modêlo escolhido ...