domingo, 10 de setembro de 2023

Por Ignácio de Loyola Brandão !

 


Em dois meses, perdi dois Zés essenciais. Zé Celso e agora o Gregori. Nas reuniões da Academia Paulista de Letras, nem falávamos tanto. Mas Gregori combinava e nos encontrávamos no Balcão, o bar da filha dele, agora, depois de décadas, ameaçado de ser tragado por um edifício.

Sentados nas banquetas a falar de uma São Paulo que logo será outra. A reviver o Paribar, o Clubinho dos Artistas com um maravilho picadinho, a elegante loja Old England, o bonde Vila Buarque, os ascensoristas do Mappin a dizer: primeiro andar, louças e utensílios domésticos. Segundo, artigos para a mulher, e assim por diante. Interminavelmente, a subir e descer. Lembrar o Bar do Museu, a Cinemateca, o Ponto Chic, o Gato Que Ri. 

Íamos dos inferninhos da Boca do Luxo e da Laura (termo cifrado que significava La Licorne) à Monica do Holliday (outro termo cifrado), por quem Tony Curtis se apaixonou. E do Barba Azul e da Salada Paulista, com os garçons recebendo gorjeta e todos agradecendo “Caixinha Obrigado”, como se fosse um coral. 

E o segundo Teatrinho Santana, pequeno, numa travessa curta da Avenida Ipiranga, com strip-teases ao meio-dia feitos por bailarinas sonolentas, tinham trabalhado a noite toda. Não o grandioso da Rua 24 de maio, Palácio do Rebolado. E o Maravilhoso, taxi dancing com você tirando a mulher para dançar e o fiscal a picotar o cartão dela de tempos em tempos. Sem esquecer as 400 salas de cinema de rua.

Houve o José Gregori, ministro da Justiça, defensor dos direitos humanos, embaixador em Portugal, o homem que foi dos criadores do PSDB, e também o Zé que frequentou o restaurante Giratório, numa travessa da Avenida Ipiranga até o Paiçandu, lugar original e baratíssimo. Este Zé descobriu Roberta Sudbrack e a levou para Ruth Cardoso, e a moça foi a chef revolucionária de Brasília, destronando a comida insossa feita por marinheiros. 

O Zé que se sentava à mesa de Sérgio Milliet, Luís Martins, Mário Gruber, Arnaldo Pedroso, Almeida Sales e Paulo Emílio Sales Gomes a falar de pintura e cinema. 

O Zé que frequentava os cines Bijou, Coral, Marachá e Trianon Consolação, hoje Belas Artes. Houve o Zé das tardes de Jovem Guarda no Teatro Record, com Roberto Carlos, Wanderléa, Erasmo. E depois sentado no icônico Riviera – muitas vezes acompanhado de Maria Helena – para fechar a tarde e iniciar a noite.

Aquilo tudo era remoer o passado. Sabíamos, mas não estávamos presos a ele, paralisados. Apenas tinha sido um tempo nosso, irremovível. No Balcão, tão frequentado por artistas de todos os gêneros, intelectuais, ministros, políticos, arquitetos, jornalistas, pelo próprio FHC, patrimônio, lugar sagrado, clássico, eterno. Zé Gregori, ou José Gregori. 

Você se foi, mas vamos lutar pela memória de São Paulo, tantas vezes repassada em nossas conversas. São Paulo é o que é, porque foi o que foi. Mas querem destruir o que fomos. 

Para colocar o que no lugar?