Há a esperança num herói que acaba virando bandido, de modo que o que permanece não é uma história linear, mas um movimento cíclico de vai-volta
Por Roberto DaMatta
18/11/2025
Seria o tal “desenvolvimento” que, no meu processo de “conscientização” e “politização”, sempre escapa de governos de “esquerda” e de “direita” como um diabo da cruz?
Seria liquidar de vez com a corrupção compadresca, que os burocratas chamam de nepotismo e que o STF acaba de qualificar como legítimo?
Seria acabar com a injustiça social e a miséria? Seria tentar diminuir a desigualdade, porque a equidade econômica, social e política absoluta é uma promessa salvacionista religiosa ou uma quimera demagógica?
Seria cobrar impostos dos ricos porque todos são larápios; enquanto todo pobre de Deus é destinado a transformar-se sem querer em um traficante armado de fuzil personalizado com o emblema orgulhoso de sua facção?
Como um medíocre, mas aplicado, estudioso das sociedades humanas comparativamente, aprendo que Estados nacionais territorializados, elaborados sistemas legais que existem num universo digitalizado mundial, não têm solução final nem consertos fáceis.
Eles têm fases ou períodos históricos nos quais se desfazem e, de modo curioso, se refazem. Até mesmo se virando pelo avesso, como ocorreu com a França de Maria Antonieta e Robespierre; a Rússia dos czares; os EUA da guerra civil de 600 mil mortos em 1860; com a Cuba de Fidel e do ideal heroico de Guevara, em 1959, e, hoje, com a América de Trump.
O que me parece claro no caso do Brasil é o desejo de que alguma pessoa (uma “figura política”) – um alguém – venha consertá-lo porque aprendemos a concebê-lo como racialmente degenerado, historicamente falho, pobremente colonizado – com a reviravolta pouco refletida de ter, em 1808, recebido a corte portuguesa, num caso extraordinário para as teorias da colonização – e ser uma vítima permanente de administrações públicas taradamente corruptas.
Toda essa carga negativa dança num ritmo que revolta. Há a esperança num herói que acaba virando bandido, de modo que o que permanece não é uma história linear, mas um movimento cíclico de vai-volta. Como se não fôssemos responsáveis pelo aparelho de Estado que criamos e que é ocupado por nossos amigos e parentes.
O que, afinal, queremos ser? Qual é o ideal político mais claro do Brasil? Penso que está na cara e por isso ninguém enxerga. Queremos ser aristocratas. Queremos infindáveis prerrogativas. Almejamos firmemente que todos saibam com quem estão falando. Sentimos uma imensa saudade reprimida e vergonhosa da escravidão negra e dos baronatos. No carnaval, fazemos esse teatro que se repete em tempos eleitorais, quando temos a presunção de eleger aquele que finalmente vai nos salvar.
PS: Estamos tão tontos que politizamos um sério e cruel combate ao crime, com o qual todos queremos acabar e pensamos em resolvê-lo com leis e novas classificações para os que se acham imunes à lei.