O que mais Nelson Piquet precisa fazer para conquistar definitivamente um lugar de honra na galeria dos heróis nacionais? A resposta certamente não está nas pistas, onde ele construiu fama e fortuna. Num país em que o esporte produz muito mais frustrações do que alegrias, Piquet é uma notável exceção.
No rastro da trilha aberta por Emerson Fittipaldi, aos 35 anos ele caminha para a sua décima temporada na Fórmula 1, a mais nobre categoria do automobilismo internacional, envergando um currículo invejável. Com os três títulos conquistados em 1981/83/87, sem falar no 2º lugar em 80 e no 3º em 86, ele já pode ser considerado um dos maiores pilotos do mundo em todos os tempos.
Façanhas de tal porte costumam premiar seus autores com doses generosas de popularidade e idolatria. Não é bem o caso de Nelson Piquet. O paradoxo se explica, em parte, pelo surgimento de Ayrton Senna, que, com seu talento, arrojo e bem estudada simpatia, dividiu quase ao meio a preferência da torcida brasileira. Mas essa é apenas uma parte da história. Em 83, quando Senna ainda nem havia ingressado na Fórmula 1, Piquet já exibia dois títulos e nem por isso era uma figura popular. Provavelmente jamais será, pelos menos aos olhos de um público que cresceu aprendendo a admirar ídolos afáveis, doces e bem-comportados como Emerson Fittipaldi e Pelé, por exemplo.
Irreverente, às vezes mal-humorado, desleixado com sua imagem pessoal, a profissional está mais que preservada pelos resultados nas pistas, Piquet é um enigma que, ao mesmo tempo, assusta e fascina as pessoas. Jamais, portanto, será uma unanimidade nacional. Para decifrá-lo, é preciso entender dois traços de sua personalidade: primeiro, ele não se sente confortável na pele de um ídolo; segundo, é incapaz de avaliar o próprio prestígio e carisma, quase sempre subestima-os.
Piquet, acha, sinceramente, que não tem toda a importância que lhe atribuem. Também não consegue entender por que as pessoas insistem em conhecer detalhes de sua vida privada. Dentro da pista, é o grande piloto, o campeão, fora, se comporta como se fosse um cidadão comum; só que não é, e sofre por isso. Sofre, sobretudo, os efeitos de uma convivência nem sempre pacífica com a imprensa. No ano passado, em Brasília, desentendeu-se com alguns fotógrafos e o caso foi parar na polícia. Com certeza não estava tão inspirado como no dia em que deu uma entrevista absolutamente fantasiosa a uma repórter argentina, só para se livrar dela. Entre outros absurdos, Piquet disse que os resultados na Fórmula 1 eram arranjados e que tudo fora acertado para ele ficar com o título daquele ano. A repórter, ingenuamente, publicou a entrevista na íntegra.
A seguir uma conversa franca com um campeão que não quer ser ídolo, sobre "navalhadas", inveja, a rivalidade com Senna e o prazer de correr, sem a obrigação de ser infalível e vencer sempre.
A casa é a mesma onde Piquet morou quando criança e hoje serve de residência para a mãe, dona Clotilde. Na verdade, uma espécie de chácara com a grama muito bem tratada, árvores, cachorros, um casal de coelhos e até cavalos, tudo isso no Lago Sul, uma área de mansões luxuosas em Brasília.
Foi esse o refúgio que Piquet escolheu para curtir as férias e, coisa rara em sua vida, ficar perto da família. Desta vez, ele fez questão até de trazer a ex-mulher Silvia e o filho mais novo, Nelsinho, de dois anos e meio. Piquet estava tranqüilo, relaxado. Falava e massageava os pés de Silvia, que assistiu boa parte da entrevista sentada com as pernas em cima de seu colo. Só faltou mesmo a atual namorada, Katerine, que por motivos óbvios preferiu ficar na Europa. Foram férias de muitos telefonemas internacionais e vários negócios, mas também de muita preguiça e intermináveis passeios de ultraleve.
Piquet havia me dado mais tempo do que pretendia. Foram quase mil respostas; aí incluídos vários "não falo" às questões que versavam sobre política e sua vida particular. Sobre outros assuntos, porém, conversou com extrema desenvoltura, reservando suas melhores críticas e venenos a dois personagens: Nigel Mansell e Ayrton Senna. Em relação a Senna parece ter opiniões definitivas: não sabe acertar carros, é invejoso e ganha menos do que costuma alardear. Apesar disso, faz questão de defini-lo como um adversário igual aos outros e não como um inimigo.
Talvez não seja só isso. Quando perguntei a um velho amigo de Piquet; o publicitário Carlos Cintra Mauro, o Lua, se ele conhecia alguém que se dava bem tanto com Piquet como com Senna, a resposta foi primeiro, um longo silêncio e, depois, uma frase pronunciada com plena convicção: "Não, é impossível: ou você é Piquet ou é Senna".
Quem imaginava que a guerra entre os brasileiros da Fórmula 1 tinha chegado ao fim que se prepare agora, para uma nova temporada de emoções. E de fofocas.
...to be continued