quarta-feira, 14 de setembro de 2022

SETARO SOBRE GODARD ...

 



1) A foto aí em cima é de O desprezo (Le mépris, 1963), de Jean-Luc Godard, em CinemaScope, com a bela Brigitte Bardot secando ao sol e, no outro extremo, Michel Piccoli. Neste filme, Godard aproveita ao máximo as possibilidades estéticas do formato, que tem, no elenco, Fritz Lang como ele mesmo. Considero um dos melhores trabalhos do polêmico diretor francês, o qual, queiram ou não seus poucos detratores, é responsável por um filme-farol: Acossado (A bout de souffle, 1959), que determinou novas regras para a gramática cinematográfica. Gosto muito do Godard dos anos 60 e menos, muito menos, da fase posterior. Filmes como Pierrot, le fou (me recuso a dar, aqui, o título que tomou em português: O demonio das onze horas), Uma mulher é uma mulher (Une femme est une femme), Tempo de guerra (Les carabiniers), Viver a vida (Vivre sa vie), Alphaville, entre outros, são, no mínimo, encantadores.

2) Era uma época na qual Godard estava no auge e era um referencial para os bate-papos cinematográficas das pessoas que frequentavam o cinema Paissandú (de saudosa memória). Na saída, o pessoal se reunia nos bares e pizzarias que existiam na calçada da sala de exibição e o papo varava a madrugada regado, geralmente, a chope carioca e da Brahma (quando a Brahma era a Brahma e não o arremedo que se transformou). A Geração Paissandú surgiu daí.

3) Havia os críticos que não gostavam de Godard e davam bola preta para quase todos os seus filmes. Moniz Vianna não gostava, assim como o seu discípulo Valério Andrade. Quem adorava Godard, entre outros, era Maurício Gomes Leite, crítico oriundo de Minas que morreu há alguns anos atrás em Paris. E realizou um dos melhores filmes dos anos 60: A vida provisória, com Paulo José, Dina Sfat, Mário Lago, e, no final, fazendo uma ponta, Carlos Heitor Cony.

4) Não era de bom-tom se convidar, para a mesma mesa, um godardista e um anti-godardista. Naquela época, as discussões eram acirradas, levava-se o cinema muito a sério, e o cinema tinha um status político que perdeu completamente nos dias de hoje. Lembro-me que, no lançamento de Terra em Transe em Salvador, houve um debate no auditório do Jornal da Bahia, reunindo os intelectuais e universitários baianos, que se prolongou até a madrugada. Diferente dos tempos contemporâneos que se caracterizam pela apatia, pela indiferença. E a indiferença, já disse William Shakespeare em Hamlet, a indiferença também é crime.

O fascínio que Jean-Luc Godard exerceu nos efervescentes anos 60 não tem paralelo em nenhum período em relação a outro cineasta. 


Postado por André Setaro segunda-feira, fevereiro 15, 2010