sábado, 21 de dezembro de 2024

BOA TARDE ... AMIR LABAKI !

 


20/12/2024

Um Clássico por Semana para o Ano Novo

Por Amir Labaki


É virada de ano. Perdoa-se um tanto de descompromisso. A oportunidade me parece perfeita para lembrar uma lista algo diferente das costumeiras do período.


Há um quarto de século o cineasta, crítico e curador Peter Bogdanovich (1939-2022) lançava “Peter Bogdanovich’s Movie of The Week – 52 Classics For One Full Year” (O Filme da Semana de Peter Bogdanovich – 52 Clássicos para Um Ano Inteiro, Ballantine Books, 210 págs, US$ 15, sem edição brasileira). O guia não tinha a pretensão de uma escolha dos melhores filmes da história ou sequer da meia centena dos preferidos do diretor de “A Última Sessão de Cinema” (1969).

O livro surgiu de uma coluna jornalística mantida por Bogdanovich no finado semanário New York Observer (1987-2016) com uma dica semanal destacando um filme que seria exibido pelas redes americanas de televisão. Lembre-se, eram poucos os canais por assinatura, não havia streamings e a incontável oferta online de títulos para fruição imediata.

“Eu escolhia em geral ou o filme que eu achava ser o melhor ou aquele sobre a qual me sentia mais impelido a escrever naquele momento”, explicou o cineasta na introdução. “Meu objetivo principal era manter o interesse do leitor-espectador semana após semana, variando entre comédias, dramas, diretores, estrelas, assuntos, num fluxo que seria continuamente divertido e agradável”. Ao final de cada resenha no livro, ele acrescentou outras sugestões de obras na mesma pegada dos realizadores.

Como a coluna se estendeu por mais de um ano e repetições de diretores naturalmente sinalizavam evidentes preferências, para readequar o conjunto para os limites de um calendário anual Bogdanovich estabeleceu uma regra de limitar sua seleção a “três ou quatro títulos” de um mesmo diretor. Com o número máximo de filmes encontramos, assim, John Ford (Depois do Vendaval, O Homem Que Matou o Facínora, Mogambo, Como Era Verde Meu Vale) e Howard Hawks (Uma Aventura na Martinica, Paraíso Infernal, Levada da Breca, Suprema Conquista). Emplacaram três indicações George Cukor (A Costela de Adão, À Meia Luz, Boêmio Encantador), Alfred Hitchcock (Interlúdio, Pacto Sinistro, Intriga Internacional), Ernst Lubitsch (O Diabo Disse Não, A Viúva Alegre, A Loja da Esquina), Jean Renoir (A Grande Ilusão, O Crime do Senhor Lange, As Regras do Jogo), Preston Sturges (As Três Noites de Eva, Papai por Acaso, Mulher de Verdade) e, claro, Orson Welles (Cidadão Kane, Soberba, Otelo).

Bogdanovich não seguiu o mesmo critério restritivo quanto a protagonistas. Ainda assim, apenas treze aparecem mais de uma vez. Há notáveis predileções: Cary Grant estrela sete filmes, Joseph Cotten e Orson Welles (um como narrador), quatro, Katharine Hepburn e James Stewart, três.

Baseada na oferta televisiva do final do século passado, a lista carrega incontornáveis sinais do tempo. O próprio resenhista se desculpa, por exemplo, “da falta de filmes com estrelas negras ou diretores negros” e da “inclusão de um único filme dirigido por uma mulher (Elaine May)”, no caso sua comédia de estreia, “O Caçador de Dotes” (1970), protagonizada por ela mesma ao lado de Walter Matthau.

Justificando-se com o fato de o livro ter como público-alvo o espectador comum, e não o cinéfilo, Bogdanovich se desculpa por haver “muito menos filmes mudos e estrangeiros (isto é, em língua não-inglesa) do que poderia preferir”. Da era muda, há apenas quatro indicações: “O Garoto” (1921), de Charles Chaplin, “Robin Hood” (1922), de Allan Dwan, “Marinheiro de Encomenda” (1928), de Buster Keaton, e “A Turba” (1928), de King Vidor. Já as obras faladas em outro idioma que não o inglês são apenas sete: os três filmes de Renoir, “O Anjo Azul” (1928), de Josef von Sternberg, “Contos da Lua Vaga” (1953), de Kenji Mizoguchi, “Roma, Cidade Aberta” (1945), de Roberto Rossellini, e “O Desprezo” (1963), de Jean-Luc Godard. Ainda mais decepcionante é a ausência de animações e de documentários entre as dicas.

As décadas mais generosamente representadas são as de 1940 (18 filmes) e 1950 (13). Bogdanovich tem duas explicações. A primeira, como crítico, era que ele buscava, naquele ocaso do século 20, combater “a ênfase excessiva na cultura americana sobre o novo” e “reequilibrar a balança” em favor da produção “entre 1920 e 1960, a verdadeira era de ouro dos filmes”. A segunda, pessoal, relaciona “a preponderância de filmes dos anos 1940 e 1950” ao fato de ser este o cinema de seus anos de formação.

Ponderações e limites fixados, há muito prazer a partilhar do guia bogdanovichiano. Se você aceitar o convite, estando quase toda a lista disponível em plataformas de streaming ou em DVDs, o programa para este mês de janeiro seria “Sinfonia de Paris”, de Vincente Minelli, “As Três Noites de Eva”, de Sturges, “Cupido É Moleque Teimoso” (1937) de Leo McCarey, “Uma Aventura na Martinica”, de Hawks, e “Anatomia de um Crime” (1959), de Otto Preminger. Nada mal: um musical, duas comédias (mais ou menos) românticas, um policial e um filme de tribunal. 

Feliz ano novo -e até fevereiro!