terça-feira, 22 de março de 2011

Primeiro ano de Piquet na Europa

.

1977 - Nelson Piquet fala das dificuldades que enfrentou no início na Formula 3 :
.
" Do ponto de vista mecânico, a maior diferença da Formula Volkswagen 1.600 para a Formula 3 está no torque do motor utilizado por essa categoria. De resto, os carros são bem parecidos, o aerofólio é do mesmo tamanho.
.
Agora o que impressiona mesmo na Formula 3 é sua competitividade. Os carros são muito semelhantes e a maioria dos motores tem o mesmo preparador. Quando há diferença de um para o outro, é de um cavalo, no máximo, e não de cinco ou seis, como no Brasil. Isso cria uma disputa muito grande. Outra coisa impressionante é o número de carros que costuma participar. Em Nurburgring, largam 88 carros numa prova de classificação, enquanto aqui uma prova de Fórmula Volkswagen reúne no máximo 25 carros. O fato dessa categoria reunir pilotos de vários países também a torna muito competitiva. Do Campeonato Europeu participam os melhores pilotos italianos, ingleses, suecos, franceses, etc. É a nata do pessoal que está querendo subir. Aparecem, claro, pilotos que não guiam nada, mas são minoria e logo resolvem se afastar, deixando lugar só para os botas.
.
Na minha estréia na Formula 3, na Europa, fiquei a apenas 7/10 de segundo da pole. Quando anunciaram a ordem de largada, levei até um susto: era o 14º colocado. Quer dizer, em cada décimo de segundo havia dois carros. E isso aconteceu em todas as provas. Logo que se vai correr na Europa, a primeira dificuldade que se enfrenta é a do idioma. A segunda é não saber onde comprar as peças de reposição por preços melhores, não ter experiência com viagens de caminhão e não dispor ainda do carnê que permite entrar com o equipamento nos diversos países. Isso porque resolvi participar do Campeonato Europeu, correndo dezoito vezes em dezessete circuitos diferentes. Repetiu-se apenas o de Zeltweg, na Áustria, e o de Silverstone conto como dois, pois uma vez corri no pequeno e outra no grande, que é o utilizado para a Fórmula 1. Viajam-se, portanto, milhares de quilômetros, sempre encontranto um circuito diferente pela frente e tendo que se adaptar rapidamente a ele.
.
Outro problema é correr na chuva. No Brasil, em três anos, só tinha corrido duas vezes na chuva. Mesmo assim, nessas vezes, a pista secou durante a corrida. Lá não, minhas seis primeiras provas foram na chuva. Numa fiz terceiro, praticamente no susto, mas nas outras, apesar de me classificar bem para a largada, acabei rodando ou batendo. A falta de experiência foi decisiva. Muitos treinos também foram realizados na chuva, mas ai entrava o medo de bater e estragar o carro para a corrida.
.
Comecei correndo com March e só depois o troquei por um Ralt, que foi o melhor da temporada passada. Isso acabou me prejudicando, pois quase não fiz pontos no começo do Campeonato. Na segunda metade, já com o Ralt e mais acostumado com as constantes mudanças de circuito, comecei a ser mais regular. Ganhei então duas corridas, somando doze a mais que o sueco Olofsson, que foi o vice-campeão, e exatamente o dobro dos pontos do italiano Ghinzani, que foi o campeão europeu de Fórmula 3. Fiz quatro pole position e quatro recordes de pista, o que bem demonstrar minha evolução.
.
Só não ganhei a última corrida da temporada por causa de um defeito que não costuma dar nos carros de Formula 3: os radiadores pegaram um pouco de grama, provocando o superaquecimento do motor. Se vencesse, empataria em vitórias com o campeão e o vice, sendo que Ghinzani já estava há quatro anos na Fórmula 3 e Olofsson, há dois.
.
Para mim foi um resultado muito bom. No início da temporada, estava um pouco apavorado, querendo ganhar todas as corridas. Mas isso porque tinha saido de um ano (1976) onde ganhara seis corridas das dez que participara. Estava me julgando um superpiloto e fui para a Europa pensando que lá seria a mesma coisa. Quando cheguei é que descobri o que é competitividade. Precisei arregaçar as mangas, trincar os dentes e fazer tudo direito, caso contrário não conseguiria nada. Todos estavam ali investindo muito dinheiro e a própria vida.
.
Se tivesse optado pelos campeonatos BP e Vandervell, na Inglaterra, poderia ter obtido melhores resultados. Esses campeonatos são disputados em apenas seis circuitos e o número de corridas é maior. Da sexta em diante já iria repetir os circuitos, o que ficaria mais fácil. Viajaria menos, teria mais tempo para treinar e mesmo as corridas são mais curtas, o que representaria mais pneus para treinar sem gastar mais dinheiro.
.
Mas, a conselho do Emerson Fittipaldi, que achava que eu tinha condições de disputar o Campeonato Europeu, fui para a Itália. De certa forma, me arrependi, pois poderia ter sido campeão inglês e agora teria mais facilidades para conseguir patrocínio para esse ano.
.
Tentei fazer carreira sem pensar em ganhar dinheiro, simplesmente para continuar no automobilismo. Agora já conheço quase todos os segredos necessários para se correr na Europa e, se não conseguir um bom patrocinador, vou parar. Correr no Brasil, uma vez por mês, não me interessa.
.
Pretendo participar de todo Campeonato Inglês de Formula 3 e de algumas provas do Campeonato Europeu. As diferenças básicas do Europeu para o Inglês é que no Europeu a gente tem dois tipos de compostos de pneus, duas horas obrigatórias para classificar e corrida de no mínimo 110 km. no Inglês, as corridas são, no máximo, de 50 Km.
.
No início do ano, todos me falavam que o campeonato Europeu era mais fácil que o Inglês. mas todas as vezes que cruzamos com pilotos que disputavam o Inglês, levamos vantagem. Só uma vez em Sonnington, um dos pilotos do inglês venceu. Largei mal nesse dia, enquanto o Olofsson quebrou o motor quando liderava. Outra vantagem do europeu é que o campeão geralmente recebe convite para a Formula 1.
.
O maior sacrifício foi mesmo ter morado num ônibus pequeno, com três camas. Eu dormia com os dois mecânicos, um italiano e o brasileiro Adílson, que trabalhou comigo na fórmula 1600. A gente chorava e ri junto. Foi muito bom. Estava já acostumado com isso, pois quando vinha correr em São Paulo, na Formula 1600, morava numa Kombi. O importante é que nunca faltaram pneus ou peças para o meu carro, na Formula 3.
.
O automobilismo, como todo o esporte, oferece muitas alegrias e decepções. Largar na pole position, na frente de 80 pilotos de várias nacionalidades, é uma grande alegria, mas acontece também de a gente largar na frente e, na primeira curva, dar uma virada ou bater e ficar com cara de bobo. Mas quero enfrentar tudo isso de novo."
.

Nelson Piquet