quinta-feira, 23 de julho de 2015

NELSON PIQUET #4


- Se você fosse hoje o chefe de equipe de Fórmula 1, quais os dois pilotos que contrataria ?

_ O Prost e o Ayrton. O Prost porque é um dos mais experientes; o Ayrton porque é muito dedicado, muito rápido, e só não foi campeão ainda porque gastou mais tempo e conversa tentando arranjar desculpa para as derrotas do que para arrumar o carro.

- Você, ao contrário, jamais reclama do seu equipamento, nem dos motores e nem dos pneus. É para ficar sempre em paz com os fornecedores e garantir um tratamento privilegiado ?

_ Criticar pra quê? Criticar por quê, se todos estão ali no mesmo barco? Se você não chega ao final de uma corrida por falta de combustível, a culpa não é do carro; é sua, porque você é que não soube dosar o combustível. Da mesma forma, se os pneus acabam antes da bandeirada, o problema não está nos pneus, está em você que não soube acertar o carro. Agora, se os pneus são mesmo uma merda, eu vou nos caras e digo; olha, os pneus não estão bons, vamos melhorar daqui pra frente. Meter a boca no trombone pela imprensa, ficar culpando os outros pela derrota, isso eu não faço porque só serve para prejudicar o fabricante, não leva a nada.

- Foi um problema de pneus que provocou aquele sério acidente com você em Imola, no ano passado?

_ Não foi problema de pneu, nem foi um erro meu. Eu e o resto da equipe sabemos que foi um problema mecânico.

- Que problema ?

_ Não vou dizer, não quero dizer. Não vou culpar ninguém. Foi um acidente, já passou e eu já esqueci.

- Qual era a velocidade do carro no momento daquele acidente ?

_ Você chega lá, no final da reta, a uns 330 Km/h. Mas no momento do impacto mesmo, o carro devia estar entre 250 e 300 Km/h.

- Você atribui a esse acidente o seu mau desempenho no início da temporada passada ?

_ Justamente. Depois que você bate e sai do carro andando, acha que está tudo legal, mas aí começam os grilos. Eu que tenho sono pesado, mal conseguia dormir à noite, acordava a toda hora; minha capacidade de concentração também diminuiu; por fim, meus tempos começaram a piorar.

- Você passou a dirigir com mais cuidado, estava com medo ?

_ Ao contrário, passei a arriscar mais. O problema é que eu subia no carro, acelerava o quanto podia e não conseguia render como antes de jeito nenhum. Eu tinha certeza de estar fazendo tudo certinho, mas no relógio eu era sempre um segundo mais lento.

- E os médicos diziam o quê ?

_ Eles diziam para eu não me preocupar, que era uma reação natural do organismo depois do acidente e que, aos poucos, eu me recuperaria.

- Em algum momento passou pela sua cabeça que o problema talvez não estivesse em você, mas no carro ou na equipe ?

_ Cheguei a pensar nisso, sim. Falei com um amigo meu, que é engenheiro, discutimos a parte técnica e não chegamos  a nenhuma conclusão. Aí, já na base do desespero, resolvi regular meu carro do mesmo jeito que o Nigel Mansell regulava o dele. Piorou mais ainda, o carro ficou uma merda e eu descobri que o inglês não entende bulhufas de acertar carro.

- Quando você superou totalmente os grilos do acidente ?

_ Eu só comecei a dormir bem de novo no Grande Prêmio da Austrália.

- Seis meses depois ?

_ Dormi como nos velhos tempos: 10 horas direto.

- Alegando problemas de segurança, A FISA limitou  a potência dos motores turbo na atual temporada e vai bani-los da Fórmula 1 a partir do ano que vem. Isso tranqüiliza mais os pilotos ?

_ O problema desse tipo de motor está exatamente no turbo, que esquenta demais, fica incandescente. Então, se acontece do carro capotar, pode haver vazamento de combustível e óleo, que, em contato com o turbo, provocam um incêndio na mesma hora. E você nem consegue apagar com água, porque o turbo demora uns 10 minutos para esfriar; e enquanto ele estiver quente o fogo vai e volta. Foi assim, aliás, que morreu o Elio de Angelis. Se naquele acidente ele estivesse usando um motor aspirado, na certa escaparia com vida.

- Num acidente como aquele seu em Imola, por exemplo, dá para o piloto fazer alguma coisa na tentativa de evitar o choque ?

_ Dá para fechar os olhos.

- Não dá nem para tentar corrigir ?

_ Não dá. A 300 quilômetros por hora, o carro percorre mais ou menos 80 metros por segundo. Então, entre o momento em que você pressente o acidente e o instante da batida não demora mais de  1 segundo, 1 segundo e meio. E, aí  você faz o que em um segundo e meio? Fecha os olhos.

- Qual o pior e o melhor jeito de bater ? Se é que existe um jeito bom para essas coisas ...

_ É sempre melhor bater de traseira. De frente é pior porque o seu pé fica a apenas 20 centímetros do bico do carro.

- Você acha que a FISA alterou o regulamento apenas pensando na segurança dos pilotos ou há outros interesses no meio ?

_ Não me pergunte porque eles fizeram essa merda de regulamento, porque eu não sei. Perguntei para um monte de gente e ninguém soube me explicar. Só sei que não tem nenhuma lógica esse negócio de acabar com os turbos.

- Já que não a lógica, não se pode pensar, por exemplo, numa pressão de equipes como a Ferrari, a Williams, a Brabham, todas elas preocupadas com o domínio da Honda na Fórmula 1 ?

_ Se for isso é besteira, porque os japoneses são peritos em motor aspirado e não em motor turbo.

- E os custos ?

_ Se você pensa que o motor aspirado custa mais barato que o turbo está enganado. Você não lembra em outros tempos como voavam pedaços dos aspirados? Com os turbos, isso já não acontece mais, eles são super-resistentes. No ano passado eu disputei quinze corridas e terminei doze.

- Os pilotos influem de alguma forma nas decisões da FISA, são ao menos convidados a opinar ?

_ Porra nenhuma! Zero!

- Para que serve, então, a Associação de Pilotos ?

_ Só existe na hora em que a corda está no nosso pescoço e a gente se agarra nela para não morrer. E isso vale não só para os problemas de segurança mas também para as questões econômicas.

- Vocês acham que  não têm munição suficiente para enfrentar os cartolas ?

_ Munição a gente tem de sobra, mas não sabemos usar. Sem a gente a Fórmula 1 não existe, mas os pilotos mais novos não entendem isso. Na hora H, tem sempre um que rói a corda, ou porque está no primeiro ano, ou porque está sem contrato, ou porque tem medo de ser mandado embora.

- Você acha possível uma greve de pilotos de Fórmula 1 ?

_ Eu faço tudo para não existir um negócio desse porque nunca vai ter unanimidade.

- Se bem entendi, você não é contra a greve, acha apenas que não daria certo ?

_ Claro! Você não viu aquele caso da greve dos aeronautas ? Três caras foram demitidos depois da greve, os outros pararam em protesto e as empresas foram obrigadas a rever as punições. Seria fantástico se isso acontecesse na Fórmula 1, mas nós somos muito desunidos.