1981 - Caminhar pelas largas passarelas do Pavilhão da Bienal do Parque Ibirapuera, durante o I Salão do Automóvel Antigo, foi, sem dúvida, uma experiência tão emocionante quanto inesquecível.
Nos fez pensar em quanto a criatividade do ser humano evoluiu em menos de um século e, ao mesmo tempo, tomados de profunda nostalgia, imaginar como deveria ser bom viver naquela época; pouco barulho, pouca gente e uma vida em ritmo muito menos angustiante.
De repente, cheirando a novos, reluzentes como no primeiro dia, desfilaram sob nossos olhos quase todos os modelos mais representativos de cada época. Desde o estranhíssimo Ciklon, de 1899, até o veloz Porsche Turbo de 1976, conquistas tecnológicas do homem a cada tempo, de valor inestimável na hístoria do automóvel.
Quase tudo que utilizou rodas para se deslocar, desde motocicletas, carros e bicicletas até ônibus, guindastes e caminhões, pôde ser visto no Salão, que foi o primeiro passo para a criação do Museu Brasileiro dos Transportes.
Organizado com a ajuda de vários clubes e museus, o Salão foi uma homenagem a Roberto Eduardo Lee, já falecido, primeiro brasileiro a encarar o automóvel antigo como um assunto sério e não como puro hobby.
Para Bird Clemente, ex-piloto e presidente do Veteran Car Club do Brasil, seção de São Paulo, os quase 300 veículos em exibição dão apenas uma mostra do que foi conseguido por Roberto Lee : "O Lee foi, sem dúvida, quem começou tudo no Brasil. Antes dele não havia parâmetros, troca de informações e o país somente engatinhava nesta área. Foi ele quem idealizou, estruturou e criou normas e disciplinas através de seu Museu, em Caçapava" .
Hoje, para surpresa geral, pode-se concluir tranquilamente que o Brasil possui exemplos de raridades ou clássicos que em qualquer país do mundo são cobiçados e pelos quais já se ofereceram verdadeiras fortunas. Só como exemplo vale citar que um Fiat Jardineira do colecionador Og Pozzolli não tem similar nem na Europa, e a própria empresa já ofereceu um cheque em aberto para que esta jóia passasse a integrar seu museu, em Turim.
Há também um Cord, americano, de 1937, com motor Supercharged, em magnífico estado de conservação, que segundo alguns, recebeu uma oferta superior a US$ 300 mil, mas seu proprietário, Afonso Casconi, nem se interessou em averiguar.
Mas, para quem visitou o Salão com mais atenção, esta recusa não chega a causar estranheza. Adquirir um carro antigo, restaurando-o com trabalho dedicado é, antes de tudo, um ato de amor.
Ao lado de um belo exemplar, um Ford Thunderbird 1957, o proprietário, Paulo Americo, fez questão de colocar uma poesia em sua homenagem denominada "Amor & Motor": "Na primeira vez que te vi, cobiça, mil desejos senti. Entre luzes, brilhavas; eu, de longe, te fitava. A separarnos, grande barreira. Eu, jovem, em início de carreira. E tu, requintada, predestinada, à classe privilegiada".
E vai por aí afora. Mas, a impressão que se tem é que, se Paulo teve sensibilidade para colocar seu sentimento em palavras, cada carro carrega consigo sua própria poesia. Afinal, em cada odômetro existe uma hístoria. Via de regra, carros antigos chegam às maõs dos colecionadores através de famílias que preservaram a memória de um ente querido, guardando com todo carinho o seu automóvel.
Pelo menos, esta é a história de grande parte dos carros expostos. Outros foram descobertos já como simples escombros, mas seu valor era tão grande que valeu o investimento na restauração. Ainda assim, este último aspecto costuma acontecer muito pouco. Como, para que o carro tenha valor, dve apresentar todas as peças originais, e é muito difícil encontrá-las ou, simplesmente produzi-las tal qual eram quando o carro foi para as ruas pela primeira vez.
Mas, nem tudo tem sido amenidade entre os colecionadores. Com cerca de 80 por cento dos carros expostos, o Veteran Car Club do Brasil, com clubes filiados em Curitiba, no Rio, Belo Horizonte, Fortaleza e Porto Alegre, é a única associação nacional reconhecida pela FIVA Federation Internationale du Voitures Anciennes, orgão máximo mundial.
Entretanto, alguns membros fundaram vários clubes em menor escala, especializados em certas marcas, e passaram a ter vida indepentende, embora o Veteran possua raridades de todas as marcas. E estes clubes também estiveram presentes ao Salão. São o Porsche Club do Brasil, Clube do Fordinho, o Jeep Club, o Jaguar Club, o Auto Union DKW Club do Brasil.
Fica difícil selecionar destaques em meio a tantas maravilhas. Os colecionadores Og Pozzolli e Germano Franzoni talvez dividam a liderança entre qualidade e quantidade, mas a cada metro nos deparamos com alguma raridade digna da maior atenção.
Assim mesmo, entre as pouquíssimas falhas desta mostra visitada por mais de 200 mil pessoas, existe uma quase imperdoável, apesar de ser o primeiro salão deste tipo no Brasil: na plaqueta indicativa de cada carro existe a marca, o ano, o proprietário e um pequeno espaço para observações. Ali, não existe nenhum registro, mas para satisfação dos visitantes deveria constar a história, em poucas linhas, de cada automóvel. Ou mesmo um catálogo oficial existente em toda mostra que se preze.
Afinal, um dos lemas do Veteran é "Entidade dedicada à preservação do automóvel antigo, elemento cultural indispensável à memória do nosso século" e todos, obviamente, querem tomar conhecimento desta história.
Finalmente, os maiores destaques desta exposição, "a mais rica jamais organizada no Brasil e com todos os automóveis segurados em mais de Cr$ 600 milhões", segundo Bird Clemente, seriam :
O Cord Supercharged 1937 de Afonso Casconi; o Fiat Jardineira 1914 de Og Pozzolli; O Hispano Suiza Town Car 1929 de Alexandre Aliperti; o Lancia Lambada 1926 de Germano Franzoni; o caminhão Ford modelo T 1919 de Franzoni; o Ford 1947 de Og Pozzolli; o Rolls Royce conversível do principe Roman Sangusko, herdeiro do trono da Polonia; o Packard Saltick 1926 de Armando e Arnaldo Mano; o Chrysler Imperial 1928, que transportou o Papa João Paulo II em Aparecida; e finalmente, outro Cord L-29 1929 do Museu do Automóvel.
Finalmente, para quem curte as corridas, a surpresa foi defrontar-se comos antigos, mas nem tanto, Porsches 917 e 910, o Ford GT 40, o Bino da equipe Willis e um incrível Alfa Romeo "Grand Prix" de 1932, com oito cilindros em linha e que venceu 16 das 17 provas de que participou.
Como não poderia deixar de ser, do acervo do patrono Roberto Lee.