Êste é o trabalho de Cyro Cayres: castigar duramente os protótipos dos novos carros, nos testes que mostram se tudo funciona conforme o projeto.
1967 - Pavilhão da Engenharia Experimental da General Motors do Brasil, em São Caetano do Sul. Numa sala escondida da Engenharia Experimental, um carro está sendo cuidadosamente examinado por uma equipe de técnicos da GM. Êle ainda não se chamava Opala, mas já era uma mistura de peças e características a partir do Opel Rekord da GM alemã.
Armando Eliezer, 47 anos, 24 anos de GM, chefe do departamento, queria alguém livre da influência dos milhares de cálculos feitos durante o projeto, com capacidade para dizer, simplesmente, se gostava ou não do nôvo carro.
Era o primeiro teste de admissão do pilôto de testes Cyro Cayres, então com 35 anos. Deram-lhe uma semana para descrever e avaliar todos os componentes do automóvel, sem andar nêle. Cinco minutos depois de ver pela primeira vez o Opala, Cyro perguntou: " Quanto pesava o motor original dêste carro?" resposta de Armando: "139 quilos ". " E o que está aí dentro, quanto pesa ?" nova resposta: "206 quilos " Conclusão de Cyro:
- O rate (soma do curso da mola e sua resistência à tensão) das molas dianteiras tem de ser aumentado. Nota-se que elas estão muito tensionadas. E essas rodas têm de ter cinco parafusos, ao invés de quatro.
Armando sorriu. As modificações já tinham sido planejadas pela Engenharia, mas êle viu que tinha o homem que queria para o grupo de Testes.
Sete anos antes, em 1960, quanto fôra convidado para conduzir um Simca preparado com muito carinho pela fábrica, durante os 1.600 Quilômetros de Interlagos, Cyro chamou de "incapaz" o homem que havia mandado sinalizar para que êle aumentasse o ritmo de sua corrida, quando estava em segundo lugar, atrás de uma carretera com motor Corvette de 350 HP. Cyro forçou o ritmo pensando que outro carro se aproximava às suas costas e acabou estourando o motor do Simca, quatro voltas antes da bandeirada de chegada.
Um dia depois da prova, o homem que êle dissera ser incapaz e desorganizado mandou chama-lo em casa. Era o presidente da Simca do Brasil (que Cyro não conhecia), Jean-Jacques Pasteur. Quando saiu do escritório de Pasteur, Cyro estava nomeado chefe do Departamento de Competições da Simca do Brasil, com o dôbro do salário que ganhava numa agência da Vemag em São Paulo.
O segrêdo é cada um gostar muito do que faz e só fazer o que conhece, diz Cyro. " Eu entendo de automóveis. Adoro automóveis. São como filhos para mim e isso é tudo."
Pasteur ainda hoje é amigo de Cyro e o mesmo respeito que se nota nos engenheiros do Departamento de Engenharia Experimental da GM, ouvindo atentamente suas impressões depois de cada teste, Pasteur manifestava a seu modo, com sonoros beijos nas bochechas de Cyro, depois de cada vitória da Simca nos anos 60.
Um fato que aconteceu no clube Santa Paula, em 1969, quando a General Motors apresentou o Opala à imprensa, pode dar idéia do respeito e da confiança que êle conquistou na emprêsa por sua responsabilidade profissional. Os diretores da GM brasileira observavam apreensivos as proezas de alguns repórteres com os carros postos à disposição dos convidados. Depois de um cavalo-de-pau que levou a traseira de um dos carros perigosamente para perto do meio-fio da área que havia sido isolada para os "testes", um repórter ficou surprêso com a atitute de Cyro. Calmamente êle retirou a chave da ignição e disse ao rapaz:
- "Para fazer isso aí, você precisa de um trator. Êste carro você não guia mais."
Alguns homens da diretoria tentaram convencer Cyro de que os excessos faziam parte da apresentação, mas êle ficou firme: "Tá bem que o pessoal ande nos carros. Mas dêsse jeito não. Êles que vão quebrar os dêles, porque os nossos eu não vou deixar."
Os guardas do portão de entrada da área destinada à Engenharia Experimental da General Motors, em São Caetano do Sul, poderiam pràticamente acertar seus relógios pelo horário de entrada de Cyro. Às 6h45 da manhã êle estaciona seu Opala 3.800 de quatro portas no pátio e entra na oficina.
A função do pilôto de testes especiais é submeter determinadas peças do carro a um castigo várias vêzes superior ao do uso normal. Cyro tem sob sua responsabilidade os testes do Power-Train (motor, câmbio, diferencial e suspensões), que o pessoal da engenharia chama de testes abusivos.
Às 7 horas, quando o pessoal dos testes de durabilidade (rodagem normal nas rotas Itariri e Moji das Cruzes) sai pelo portão em carros Opala de diversos tipos, sempre pintados discretamente de cinza-escuro, Cyro leva o carro que vai testar para o pátio interno da Engenharia Experimental, uma área de 20 por 800 metros, proibida aos curiosos.
Ao volante de um dos Opalas que saíram pelo portão, á mesma hora em que Cyro iniciava os testes, Albino Ricci, 48 anos de idade e 26 de GM, onde ocupa o cargo de chefe de turma no grupo de testes de durabilidade e Luís 24 anos, entram na Via Anchieta, depois de passar pelo trevo que dá acesso a São Caetano.
A rota São Caetano-Itariri, litoral paulista-São Caetano é velha conhecida dos três homens. Êles percorrem todos os dias pelo menos uma vez. Antes de entar nas curvas da descida da serra, Albino experimenta os freios do carro e dá passagem a um Volks que entra perigosamente na primeira curva. A descida é tranquila e rápida, àquela hora da manhã.
À mesma hora, em São Caetano, os engenheiros que observam o violento teste de Cyro, sabem que é preciso um pilôto muito especial para essa espécie de teste. apesar de severo e aparentemente violento, êle não pode ser feito com raiva, para quebrar. Um teste como êsse é feito para determinar a margem em que o carro "não quebra", diz um engenheiro da GM. O homem que está ao volante precisa gostar muito do carro. È uma espécie de relacionamento entre o pai e filho, quando o pai precisa castigar, tentando, ao mesmo tempo, não magoar o filho.
Albino Ricci está deixando a Anchieta para a direita e entra numa estrada de asfalto trepidante em direção a Peruíbe, com o mar à esquerda. Há um pôsto policial parando os carros para examinar documentos à frente. Albino acena para o guarda rodoviário e dá um toque especial de buzina (o mesmo com que saudou pouco antes a frota de provas da Pirelli, que usa a mesma rota para testar seus pneus). O guarda rodoviário retribui o aceno com um sorriso. São conhecidos há mais de cinco anos. Luís vem guiando o 2.500 logo atrás e repete a saudação.
Em São Caetano, Cyro continua castigando cuidadosamente o carro, quando uma peça da transmissão estoura com um ruido sêco. O teste chegou ao fim. O carro é levado para a garagem por um guincho. Um grupo de técnicos se interessa pela desmontagem do conjunto e pelo estrago, Cyro, entre êles, vai examinando cada parafuso destacado do corpo da peça enquanto fala das condições em que o carro quebrou.
Entre Itariri e Peruíbe, Albino Ricci sentiu falta do Opala 2.500 que deveria estar atrás do seu carro. " Foi pneu ou pára-brisa", diz êle, olhando a estrada vazia no retrovisor, quando baixa a poeira que o 3.800 vinha levantando. Dá meia volta e pouco depois descobre Luís parado na estrada, com um corte na mão e o pára-brisa destroçado por uma pedra lançada pelo 3.800.
Vinte minutos depois, os dois Opalas estão iniciando a subida pela estrada velha do mar. No fim da subida, o asfalto é bom e Albino encontra tempo para falar nos dois filhos, nos testes de tôda a espécie que fêz com os Opel que deram origem ao Opala e em suas viagens de fim de semana, quando êle reúne a família no seu próprio Opala de quatro portas e vai tomar seu banho de mar em Peruíbe.
Cyro Cayres nunca sai da GM antes das 7 da noite. Às 9 horas já acabou de jantar e senta na frente da televisão para um filme ou os noticiários do dia. Dona Iracy já desistiu de levá-lo de volta ao apartamento em que moravam, em São Paulo, antes da morte do irmão de Cyro, em 1969, quando se mudaram para a Chácara Cayres, 400.000 metros quadrados, uma casa ampla, com um sino pendurado na porteira, servindo de campainha, no Km 21 da via Anchieta.
Não quero saber de voltar a morar na cidade, diz êle. Lá eu não tenho liberdade como aqui. Como é que eu posso "afinar" um motor de competição à noite, num prédio de apartamentos? Além disso, com a tranquilidade que existe aqui eu posso ir para a cama às 10 da noite, quando não tenho o que fazer.
Mas quase sempre êle tem o que fazer e lamenta que seu dia não seja mais longo. Porque, entre os testes que tem de fazer para a GM e os cuidados com o Opala 44 com o qual venceu os últimos 500 Quilômetros de Interlagos, em sua classe, êle não encontra tempo nem para pôr em funcionamento o pequeno motor BMW do Romi-Isetta que guarda num canto da garagem:
"Não ando nêle há mais de cinco anos, mas sabe como é: a gente se afeiçoa aos carros."
Entre Itariri e Peruíbe, Albino Ricci sentiu falta do Opala 2.500 que deveria estar atrás do seu carro. " Foi pneu ou pára-brisa", diz êle, olhando a estrada vazia no retrovisor, quando baixa a poeira que o 3.800 vinha levantando. Dá meia volta e pouco depois descobre Luís parado na estrada, com um corte na mão e o pára-brisa destroçado por uma pedra lançada pelo 3.800.
Vinte minutos depois, os dois Opalas estão iniciando a subida pela estrada velha do mar. No fim da subida, o asfalto é bom e Albino encontra tempo para falar nos dois filhos, nos testes de tôda a espécie que fêz com os Opel que deram origem ao Opala e em suas viagens de fim de semana, quando êle reúne a família no seu próprio Opala de quatro portas e vai tomar seu banho de mar em Peruíbe.
Cyro Cayres nunca sai da GM antes das 7 da noite. Às 9 horas já acabou de jantar e senta na frente da televisão para um filme ou os noticiários do dia. Dona Iracy já desistiu de levá-lo de volta ao apartamento em que moravam, em São Paulo, antes da morte do irmão de Cyro, em 1969, quando se mudaram para a Chácara Cayres, 400.000 metros quadrados, uma casa ampla, com um sino pendurado na porteira, servindo de campainha, no Km 21 da via Anchieta.
Não quero saber de voltar a morar na cidade, diz êle. Lá eu não tenho liberdade como aqui. Como é que eu posso "afinar" um motor de competição à noite, num prédio de apartamentos? Além disso, com a tranquilidade que existe aqui eu posso ir para a cama às 10 da noite, quando não tenho o que fazer.
Mas quase sempre êle tem o que fazer e lamenta que seu dia não seja mais longo. Porque, entre os testes que tem de fazer para a GM e os cuidados com o Opala 44 com o qual venceu os últimos 500 Quilômetros de Interlagos, em sua classe, êle não encontra tempo nem para pôr em funcionamento o pequeno motor BMW do Romi-Isetta que guarda num canto da garagem:
"Não ando nêle há mais de cinco anos, mas sabe como é: a gente se afeiçoa aos carros."
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