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" Quando se dá a volta de apresentação para um Grande Prêmio, e se chega ao grid, todos os pilotos que estão mais ou menos da sétima fila para trás vêm lentamente, com a primeira engatada, esperando que os líderes cheguem às posições, a luz vermelha se acenda e cinco segundos depois acenda-se a luz verde de partida. Mas em Monza, o que aconteceu? Os líderes chegaram, a luz vermelha se acendeu e menos de dois segundos depois já havia a luz verde. Eu nem tinha ainda a primeira marcha engatada, como muitos outros, enquanto o pessoal lá de trás já estava em velocidade, alguns mudando para segunda marcha. Consequência : formou-se um bolo imenso de carros, rolando em direção aquele ponto onde a pista se estreita de 40 para menos de 15 metros".
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" Três ou quatro carros me passaram, antes que eu saísse do lugar, e fiquei de repente grudado num bolo onde estavam Hunt, Reutemann, Peterson. No ponto onde a pista se afunila, já estávamos em quarta marcha, a quase 230 Km/h e vi apenas um carro subindo no ar, um do lado direito rodando e batento no guard-rail, voltando para a pista e sendo atropelado pelos outros. De repente, vi uma enorme bola de fogo à minha frente, e entrei dentro dela, o fogo me cobrindo como uma onda de água que subisse pelos aerofólios, entrasse no cockpit e passasse por minha cabeça. Tive certeza que meu carro estava em chamas, e na hora pensei apenas que não podia frear, quem estivesse atrás bateria em mim".
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" Então, saí do meio da bola de fogo, me vi do lado esquerdo da pista. Como, não sei. Todo mundo batia, virava, pedaços de carro voavam, James Hunt rodava uns 10 metros à minha frente. Desviei-me dele, e então vi Pironi do lado direito, também batendo no guard-rail. Seu aerofólio voou para cima de mim, e caiu sobre o meu carro. Minha viseira estava completamente tapada de óleo, fumaça, fogo e poeira, minhas pernas tremiam e só então percebi que não era meu carro que estava pegando fogo. Até então, desde que o aerofólio de Pironi caíra sobre mim, eu estava com a mão esquerda no cinto de segurança, pronto para soltá-lo e pular fora do carro".
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"Pude olhar pelo espelho a primeira vez, quando cheguei na chincane, vi que não havia fogo no meu carro e comecei a experimentá-lo para ver se não estava afetado pelo monte de destroços em que eu tinha batido. Fui direto para os boxes, sabia que a corrida estava interrompida. Logo que desci do carro falei com Rafael Grajalez, meu médico, que havia atendido Ronnie na pista e tinha acompanhado-o até o helicóptero. Até aquele momento, as previsões eram relativamente boas. As pernas estavam fraturadas, mas ninguém pensava no menor perigo de vida, assim como as notícias de Brambilla não eram tão graves".
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"Depois do susto imenso, começou a luta nos boxes com os chefes de equipe. Havia uma sensação de revolta. Duas horas antes da largada tinhamos tido uma reunião com Bernie Ecclestone. Eu, Niki, James, Jody e Mario Andretti, e falado sobre segurança. Expliquei mais uma vez minha idéia de ter um juiz internacional fixo para a largada, para evitar tantos erros que tem acontecido. Quando as coisas acalmaram, e terminaram de lavar a pista, saímos para alinhar de novo. Quando cheguei no grid, desci do carro, outros pilotos já estavam fazendo a mesma coisa. Falamos que não havia condições de largar, e quando começavam as discussões com os organizadores, veio a notícia de que Jody Scheckter havia batido na curva Lesmo e destruído o guard-rail".
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"Bernie saiu para olhar a pista, voltou e disse que o guard-rail estava tombado. Então, eu, James, Niki, Reutemann e Mario fomos olhar o local, e dissemos que não havia condições de largar daquele jeito, atrás da curva, que fazemos a 230 Km/h, havia uma enorme massa de público. Quando discutíamos com Bernie dizendo que tinhamos que largar senão o público invadiria a pista e quebraria todos os carros, chegaram os dois chefes assassinos da Formula 1, Ken Tyrrell e Colin Chapman, sempre prontos para pressionar os pilotos sem ligar a mínima para a vida de ninguém. No meio da discussão, Batti Gallupi, diretor do autódromo de Monza, disse que iriam arrumar imediatamente o lugar. E foram, enquando o público vaiava, gritava e pedia a corrida. Sabe como eu me sentia? Como um gladiador, que acabou de escapar de morrer na arena e vê o público gritando, pedindo mais luta e mais mortes".
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"Depois da corrida, as notícias sobre Ronnie eram boas, e à 1h30 da manhã, quando fui dormir depois de receber a última informação sobre ele, ainda os prognósticos eram bons, para ele e Brambilla. Na segunda-feira, às 7 da manhã, Domingos Piedade me acordou com a notícia: "Vamos para o hospital que Ronnie está mal" . E aí foi a morte".
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"O que a gente sente? Uma vontade enorme de largar tudo. Ronnie era meu melhor amigo na Formula 1: corremos juntos há nove anos, desde a Formula 3, e sempre com enorme respeito um pelo outro, tanto dentro como fora da pista. Nos tempos de Lotus, mesmo com Chapman tentando nos jogar um contra o outro, continuávamos amigos, até mais que antes. Nas corridas, sempre trocávamos informações sobre acerto dos carros, e sempre dizíamos a verdade um para o outro. Barbro, a mulher dele, era a melhor amiga de Maria Helena, e foi Maria Helena quem teve de dar-lhe a notícia da morte de Ronnie, quando Barbro chegou de Mônaco na segunda-feira. Um choque terrível, que nunca mais vou esquecer".
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______________________ Emerson Fittipaldi
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