Ele acompanhou mitos como Graham Hill, Jim Clark, Jackie Stewart e Ayrton Senna. .Durante o Grande Prêmio da Itália de 1961 ele tinha um cronômetro na mão suada e conferia nervoso os tempos de Ricardo Rodriguez, seu patrício mexicano, que pilotava uma Ferrari. Os grandes pilotos da época eram Jim Clark, Graham Hill, Von Trips, Phil Hill, Jack Brabham e Stirling Moss. Homens-lendas, cujas corridas o jovem Joaquim, admirava e invejava no seu sonho de piloto frustrado. Era um mexicano pobre, formado em ferramentaria. E, uma vez que não poderia ser piloto, optou pela graxa e foi ser mecânico pelo mundo. Nestas três décadas seguindo o circo, Jo Ramirez viu surgir mitos, morrer lendas, contemplando a evolução de uma Fórmula 1 cada vez mais profissional, mais milionária e menos romântica. Teve ídolos, ajudou a consagrar campeões e viu amigos morrerem na efêmera glória de um lugar no pódio. Um remanescente solitário dos anos 60. O mais antigo membro da Fórmula 1 nem sequer lembra o número de grandes prêmios de que participou, mas não esquece seu envolvimento direto em vitórias nas várias equipes em que trabalhou.
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Amigo íntimo e fã de Jackie Stewart e Alain Prost, Jo Ramirez relembra a Fórmula 1 do passado, numa entrevista que deu no começo da década de 90. Abaixo trechos dessa entrevista:
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Entre os atuais pilotos, quem poderá ser a surpresa?
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"O Michael Schumacher já é uma afirmação. Ele foi a unica revelação desde o surgimento do Ayrton Senna. Me impressionou já na primeira corrida, mais do que as estréias de Alain Prost e Ayrton Senna.
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Como era a Fórmula 1 quando o senhor começou?."Bem mais romântica, esportiva. Não havia tanto dinheiro envolvido. Só para dar um exemplo, lembro-me de que num Grande Prêmio de 1963, o Jack Brabham quebrou o carro pouco antes da largada, sem nenhuma chance de competir. Mas largou. E, sabe como? Com um Lotus emprestado pelo Colin Chapman. Alguém imagina hoje tal gesto da parte da Williams ou da McLaren?
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O piloto trazia o dinheiro de patrocinadores para ajudar as equipes, tal como ocorre hoje?
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"Não. Eram as grandes companhias de combustível, lubrificantes, pneus, que tinham interesse nas corridas. Produtos ligados ao mundo do automóvel."
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Não existia uma Benetton, com nome de equipe e carro?
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"Foi o Colin Chapman, sempre ele, quem trouxe o patrocínio extra-automobilismo para dentro da Fórmula 1. Em 1969, ele lançou a Lotus "Gold Leaf" Team, marca de cigarros ingleses que se tornou o nome de seu carro."
Quais pilotos mais impressionaram o senhor ao longo destas três décadas?
"Foram muitos. Trabalhei com dezenas deles. Mas meu maior orgulho é ter trabalhado com três dos cinco melhores da História. Juan Manoel Fangio, Jim Clark, Jackie Stewart, Alain Prost e Ayrton Senna formam esse time. Deles, lidei diretamente com Stewart, Prost e Senna."
No livro do falecido Comendador Enzo Ferrari, ele fala dessa casta como homens especiais, misto de gênios e malucos. Em sua opinião, eles mudaram?
"Hoje há muita mudança de pilotos a cada temporada (..longo suspiro..). Já não são tão especiais. Antigamente era mais fácil, mais coloquial o relacionamento entre pilotos e mecânicos, por exemplo. Lembro-me dos tempos do Jim Clark, do Graham Hill, quando o time todo, pilotos, mecânicos e chefes de equipes, viajavam juntos no mesmo carro de circuito a circuito, por toda a Europa. Nos hotéis também não havia divisões. O Jim Clark e o Colin Chapman ficavam no mesmo quarto, uma intimidade impossível de imaginar hoje entre um manager e um piloto. A sofisticação tomou conta do circo e as estrelas chegam em aviões particulares. Os pilotos vivem num mundo à parte, completamente diferente da órbita dos mecânicos e dos técnicos."
Essas mudanças viraram regra ou há exceções?
"Em tudo há exceções e na Fórmula 1 o Jackie Stewart é uma delas (..fala com entusiasmo..). Ele sempre foi a mesma pessoa, desde o começo até ser tri-campeão. Tem sempre a mesma forma de tratar os velhos conhecidos. Stewart é um exemplo de cavalheiro e profissional. Lutou muito pela segurança das pistas, foi o pioneiro no uso do cinto de segurança, do macacão incombustível. Foi ele quem exigiu a colocação dos guard-rail, além de fundar a Associação dos Pilotos de Grand Prix."
Como o senhor define um piloto de Grand Prix: suicida, com vocação para o perigo, amante do desafio?
"O Jim Clark era tão diferente do Jackie Stewart, como o Ayrton Senna é diferente do Alain Prost. Creio que, dentro dos seus carros eles não pensam no perigo. Ignoram as probabilidades, eliminam o risco de seu raciocínio. São realmente pessoas um pouco fora do normal. Principalmente os mais rápidos. Esses não dão carona para o medo. É claro que as pistas e os carros atuais são muito mais seguros, há bem menos chance de acidente fatal."
O senhor cita Prost e Senna como grandes pilotos, mas também trabalhou com o Niki Lauda na Mclaren, um outro tri-campeão. Que tal esse austríaco?
"Nunca esteve entre os meus favoritos. Não se pode comparar o Lauda com Prost, Senna ou Clark. É certo que ele teve bons períodos, grandes carros. Teve a sorte de pegar a Ferrari no auge dos anos 70. Aliás, o título que ele ganhou na McLaren, em 1984, foi numa temporada que era do Prost. O Lauda venceu cinco GPs, o Prost sete, mas como a contagem de pontos era diferente...A verdade é que a fama do Lauda cresceu porque ele voltou após o acidente que sofreu em Nurburgring, em 1976, ganhando outro campeonato depois da tragédia. Não seria justo, porém, colocá-lo na mesma posição dos cinco grandes."
Senna e Prost, segundo esse seu ranking, são hoje os maiores do mundo. O que eles tem de especial?
"São muito parecidos na maneira de trabalhar: exigentes, meticulosos, profissionais. O Prost, com um carro acertado ao seu gosto, é muito rápido. Senna é muito rápido mesmo que o carro não esteja acertado ao modo dele. Ele se adapta mais à máquina, é veloz mesmo em condições que não julgue ideais. Prost, porém, em condições favoráveis, é o mais veloz dos dois."
Como personalidades, também são muito diferentes?
"Muito. O Senna não gosta de competir, só quer ganhar. Para ele, o segundo é o primeiro perdedor. Qualquer outro resultado que não seja vitória o deixa mal-humorado. Prost gosta de competir, aceita uma colocação intermediária se o carro não lhe der chance de vitória. É mais difícil para Senna compreender os problemas do carro do que para Prost. O Ayrton Senna não tem paciência, tem pressa."
Que lembranças ficaram do Emerson Fittipaldi, de quem o senhor foi o chefe de box?
"Foi um grande piloto da Fórmula 1 em seus tempos da Lotus e McLaren. Na Copersucar, acho, ele perdeu a motivação. Uma lástima que ele tenha deixado a Fórmula 1 tão cedo."
Em que setores os carros da Fórmula 1 evoluíram mais nesses seus 30 anos de mecânica?"Houve uma evolução em tudo: na aerodinâmica, no material, no consumo, na segurança. O mais impressionante, entretanto, são os freios a carbono. É incrível o que eles seguram, desaceleram um automóvel. Os pilotos chegam a retardar em mais de 50 metros a freada antes de algumas curvas dos atuais autodromos. Os motores tiveram também um progresso incrível. Quem diria há dez anos que um motor Turbo de 1500 cm³ poderia atingir mais de 1000 cavalos de força ?. Imagine um motor de 1,5 litro, como os BMW, de 4 cilindros, atingindo nos treinos de classificação 1090 cv. Uma técnica fantástica. O câmbio de acionamento semi-automático é outro avanço. Hoje a McLaren tem o melhor câmbio inteligente."
Depois de mais de trinta anos a sua motivação ainda é a mesma do início da carreira?
"Sem dúvida. Me sinto jovem e muito feliz em continuar com a mesma paixão da estréia. A sensação da aventura, a pouca rotina, o inesperado me mantêm alerta e vivo. Isso é muito importante, embora nos prive do cotidiano familiar, de poder projetar a vida privada."
Como latino americano, o senhor sofreu algum tipo de discriminação no início de carreira?
"Algumas vezes enfrentei problemas, mas pouco. Eu tenho um caráter que se adapta às pessoas, ao tipo de trabalho, ao meio. Falo quatro linguas : Inglês, francês, italiano e espanhol. Isso facilitou a comunicação e evitou as dificuldades."
No balanço geral, o senhor está feliz com a carreira?
"Sim, começaria tudo de novo. Até já pensei em escrever um livro sobre esses mais de trinta anos de pista."
Nessas memórias, como ficariam alguns capítulos trágicos, como a morte dos amigos, os irmãos Pedro e Ricardo Rodriguez e François Cevert?
"Vi morrer o Ricardo quase seis meses depois que havíamos chegado do México. Dez anos depois, morreu o Pedro, seu irmão. Em 1973 , foi o François Cevert, na última corrida do ano, o Grande Prêmio dos Estados Unidos. Eram todos meus amigos, pilotos para quem eu trabalhava. O Cevert foi uma tragédia que não me sai da memória, porque um minuto antes de ele ser degolado pelo guard-rail eu havia apertado seu cinto de segurança. Depois daquele episódio procurei não me afeiçoar aos pilotos. É o lado triste desta vida, mas é muito curioso que na própria tragédia existe um componente que nos dá força para superar a dor e continuar. É a paixão dos amigos que se foram que me motiva a seguir na luta. É... deve ser esse o mistério".
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