sábado, 12 de novembro de 2011

JOSÉ CARLOS PACE



Por causa dos riscos que corremos depois de uma largada de Grande Prêmio, há um respeito muito grande entre os pilotos. Apesar da rivalidade, somos como uma família. Com o "Moco", meu envolvimento foi bem maior, pois seguimos o mesmo caminho desde criança. Sua morte foi um golpe muito duro.

Conheci o José Carlos Pace montado num veículo a motor. Foi em 1958, eu tinha apenas 12 anos de idade, o Wilsinho tinha 15 e o Moco 14. Eu estava andando de lambreta com o Wilsinho, no bairro do Pacaembu, em São Paulo, em frente à casa do Moco. Nesse dia ele estava com uma moto Guzzi de 55 cc, que tinha acabado de ganhar de presente. Essa foi a primeira motocicleta que pilotei.

Fizemos amizade e resolvemos andar no Parque do Ibirapuera. Fui na garupa do Wilsinho, e Moco pilotando sua moto. No Ibirapuera, o Wilsinho emprestou a lambreta ao Moco e ele sua moto pra mim. Daí para a frente nós formamos uma turma no bairro das Perdizes, onde eu morava, e nos víamos todo dia. O ponto de encontro era um barzinho, e nossos veículos eram pequenas motos, lambretas e carrinhos de rolemã. Foi quando o automobilismo começou a envolver também o Moco.

Assim, crescemos juntos, e quando o kart foi introduzido no Brasil nem eu, com 14 anos, nem o Moco, com 16, tínhamos idade para correr. Mas acompanhávamos o Wilsinho, um dos pioneiros do nosso kartismo. logo que completou 18 anos, Moco entrou para o kartismo, competindo no kartódromo que existia na cidade de Cotia, em São Paulo.

Ele sempre mostrou uma habilidade natural muito grande para dirigir veículos, mesmo o kart, apesar de ter uma desvantagem em relação aos outros, era muito pesado. Daí o apelido dado por nós de "gordinho", antes de ser Moco. O fabricante de karts daquela epoca era o Daniel Rodrigues, responsável pelo início de carreira de muitos pilotos brasileiros, como eu, Wilsinho, Moco, Alex. Uma das poucas exceções foi o Ingo Hoffmann, que não começou no kart. Desde aquela época passamos a viver juntos, nas corridas de kart, nos encontros nas Perdizes e nos fins de semana que passávamos viajando. O Moco sempre teve um caráter calmo, tranquilo, e nunca mudou, mesmo na Fórmula 1, onde venceu. Foi sempre a mesma pessoa.

Com uns 19 anos, ele ia fazer uma corrida de estreante e novatos de automobilismo com um velho DKW. O Wilsinho já estava na equipe Willys e falou para o Greco dar-lhe um carro. Eu me lembro como se fosse hoje. O Wilsinho chamou o Greco, chefe da equipe Willys, que tinha como principais pilotos o Wilsinho, Bird Clemente e Luís Pereira Bueno, e falou que o Moco ia correr e que deveria estrear com o Renault 1093 da equipe. Isso acabou acontecendo, e ele ganhou a corrida, mostrando todo o seu potencial, aquela habilidade que nós conhecíamos desde criança.

Ele ficou alguns anos na Willys, no segundo time, comigo, com o Carol Figueiredo e o próprio Marivaldo Fernandes. No primeiro time, os que corriam com as Berlinetas e depois com os Alpine-Renault, estavam o Wilsinho, Bird Clemente e o Luís Pereira Bueno.

A primeira pessoa que convidamos para guiar foi o Moco, numa prova chamada 1000 Km de Brasília, que era disputada nas ruas de Brasília. Ele fez dupla comigo. Para nós, foi uma corrida triste como resultado, mas muito cômica, pois aconteceram coisas incríveis. Eu larguei à noite e disparei na frente. Ganhava com muita facilidade quando deu um vazamento : o óleo do motor começou a cair no cano de escapamento, fazendo muita fumaça dentro do carro. Foi logo depois dos boxes e eu pulei do carro, descarregando o extintor de incêndio no motor. O Moco viu o carro envolto em fumaça e chegou correndo. Perdemos muitas voltas, mas ele conseguiu recuperar várias posições, até me entregar o carro novamente. Antes disso, bateu na guia e entortou duas rodas. Sai novamente, mandando uma brasa incrível, e num outro turno, de madrugada, um pouco cansado, peguei uma guia e entortei as quatro rodas. O incrível é que não tínhamos mais rodas sobressalentes. Lembro-me que fiquei sentado na guia com a mão na cabeça, não me conformando com a burrada que tinha feito. Logo em seguida chegara o Moco e o Wilsinho, que também sentaram na guia. Ficamos uma hora nos lamentando do azar, pois poderiamos ganhar facilmente aquela corrida. Foi a única vez que pilotei em dupla com o Moco e uma das melhores lembranças que guardarei dele.

Depois disso fomos para a equipe Dacon, onde ele pilotava um Karmann-Guia Dacon de 2000 cc e eu o 1600 cc. Nessa equipe ele conseguiu vencer a prova 1000 Km de Brasília e eu cheguei em segundo lugar. Em 1967 e 1968 corremos na Fórmula Vê, sendo meu maior rival nessa categoria. Em 1969 eu fui para a Europa e ele ficou no Brasil.

A primeira vitória internacional que tive na Europa foi em Monthlery, na França, numa corrida de Fórmula 3, e o Moco estava assistindo, pois ele e Wilsinho já tinham planos de correr na Europa em 1970, na Fórmula 3. Ambos acabaram formando uma equipe junto com o Jim Russell, e nela Moco iniciou sua carreira na Europa com um sucesso muito grande, chegando em 1971 à Fórmula 2 pela equipe do Frank Williams. Pela mesma equipe, Moco estreou na Fórmula 1 em 1972, no GP da Àfrica do Sul, por coincidência seu primeiro e último Grande Prêmio.

Todos esses anos nós corremos juntos e sempre o considerei muito leal, nunca provocando reclamações de ninguém, apesar do seu estilo agressivo, ultrapassando em lugares dificeis. Eu dei muito valor ao que ele conseguiu, pois vencer na Europa é muito difícil. eu o respeitava muito, como amigo e como profissional. Dedicou-se tanto ao automobilismo internacional que acabou surpreendendo a muita gente, pois mostrou na Europa o que nunca havia mostrado no Brasil: determinação de vencer, mesmo a custa de muito sacrifício.

Eu também era muito amigo do Marivaldo, que me acompanhou até minha ida para a Europa. Por isso, a morte dos dois foi um golpe para mim. Como me disse uma vez o Stewart, com o passar dos anos a gente aprende a contar na ponta dos dedos quantos amigos vai perdendo em corridas. Mas eu nunca tinha perdido um amigo como o Moco

A última recordação que tenho dele foi no Grande Prêmio da África do sul. Antes da corrida fomos fazer um safari juntos, com a Elda, o Wilsinho, a Suzy, o Nilson Clemente e a esposa dele. Durante três dias revivemos a amizade que tínhamos na época do kart ou das corridas no Brasil, a convivência que não podíamos ter nos últimos anos por causa dos compromissos profissionais. Fomos e voltamos da África no mesmo avião, e tenho ótima recordação da nossa convivência antes da corrida, confirmando tudo aquilo que eu pensava dele: contnuava o mesmo Moco que eu conheci aos 14 anos de idade.

Na volta da África do Sul, no Aeroporto de Congonhas, combinei com ele um fim de semana na minha fazenda em Araraquara. Combinamos que voaríamos juntos, pois ele já tinha comprado um avião. Foi a última vez que falei com o Moco. O entusiasmo que ele tinha por aviões, o Wilsinho e eu também temos. Até nisso nossas idéias e interesses eram idênticos. Ele foi uma das figuras mais importantes do automobilismo brasileiro, e ao lado do Scavone ajudou a trazer a Fórmula 1 ao Brasil.

O público brasileiro merecia conhecer melhor o Moco.