quinta-feira, 17 de novembro de 2011

OS BOSSA NOVA


Não é todo dia que nasce um grande corredor para o automobilismo esportivo. Ao contrário, muito de raro em raro aparece um valor novo que já comece impressionando bastante. Pena é que às vêzes uma circunstânciazinha qualquer, como o nascimento de um filho ou o excesso de arrôjo numa curva, separem-nos da pista temporáriamente ou para todo o sempre.

A grande maioria dêstes novos corredores, chamemo-los "Bossa Nova" do automobilismo brasileiro, podem ser vistos em Interlagos, tôdas as vêzes em que houver uma boa prova.

Entre os "Bossa Nova", Christian Heins tem sido sempre o mais analisado e o mais discutido. Em primeiro lugar porque é relativamente novo em corridas e quando faz dupla com Chico Landi nota-se um visível choque entre duas escolas.  São como que duas maneiras de correr e duas mentalidades bastante ímpares. E não falta quem prognostique: Christian tem tudo para ser campeão do mundo.
Os que arriscam esta profecia tão otimista utilizam como fundamento as qualidades excepcionais que Christian tem demonstrado em tôdas as competições de que participa. Lembra o campeão Juan Manuel Fangio em muitas de suas atitudes. Tem cabeça e sabe usá-la na defesa de um programa para uma corrida. Chico é um autêntico "Bossa Velha", tem 28 anos (de automobilismo) e muita já se falou sôbre êle. Agora, o que anda muito em moda é dizer que êle não possui a mesma visão de há alguns anos atrás.

Trata-se de automobilista muito estimado, para alguns um ídolo, cujos defensores acorrem logo com um argumento: "Assim como você entra em sua casa, inteiramente no escuro, sem derrubar nada, Chico pode andar em Interlagos". Os dois Christian e Chico se equilibram e completam muito bem; prova disto é o grande número de vitórias que juntos êles tem obtido.

Bird Clemente é um dos bons da nova geração. Tem qualidades excepcionais mesmo no volante, mas dizem que não há equilíbrio entre o Bird corredor e o Bird mecânico. De qualquer modo, êle possui um longo futuro pela frente, para provar se os que falam têm razão; como também para reunir os conhecimentos mecânicos que reclamam, se é que êle não tem mesmo. O choque do Simca de Bird com o Dauphine de Jaime Guerra, na última "24 horas", veio fazer com que êle hesitasse um pouco, criando uma espécie de complexo de culpa. Foi infelicidade para ambos e todos já devem ter chegado a esta conclusão; se o Bird se descuidou um pouco, olhando para os sinais que lhe faziam os mecânicos, o Jaime Guerra deve ter cortado um pouquinho a curva, como o vinha fazendo. Daí, a colisão por detrás, que o fêz capotar. Bird é da turma  do "Rallye", onde se podem encontrar os corredores metódicos, calculistas e inteligentes.

Ciro Cayres tem hoje a idade que Chico Landi tem de automobilismo: 28 anos. È um dos bons valores desta nova geração e no exterior conseguiu o único título oficial brasileiro: o de vice-campeão sul-americano. Cuida-se muito, psicológica e fisicamente, é muito bom ao volante e conhece bastante de mecânica. Tem sido um tanto azarado. numa prova chamada "500 Km" estava na primeira colocação e uma môça postada num lugar perigoso, quase encostada numa placa que dizia "Local Perigoso", era uma das que mais o aplaudiam. Pois a ponta de um eixo do seu carro quebrou, uma das rodas saiu rolando em alta velocidade e matou a môça. Ciro foi parar no banco dos réus por causa disto (êle e um de seus mecânicos) e não pôde ganhar uma prova, cuja vitória já era muito sua.

Carlinhos Aguiar é um dos bons nomes da "Bossa Nova" e pouco ainda se sabe dêle. Veio do motociclismo, o que representa um excelente "background". Estava acostumado a "andar" numa Norton 500, o que equivale a dizer muito mais difícil do que "andar" num JK. Conhece a pista pormenorizadamente, buraco por buraco, aclive por aclive. Também conhecido por "Vitamina". Pilotou na última "24 Horas" o JK número 22, com Roberto Calucci.

Fritz D'Orey era a grande promessa. Apareceu em 1938, fazendo sensação em Interlagos, qualquer que fôsse a prova de que participasse. Até hoje, respeitam-no muito e contam até lendas a respeito dêle. Fritz fêz muito e começaram a contar até o que êle não fêz. Em Monza, puseram-lhe uma Ferrari nas mãos e êle começou a reproduzir as glórias que tinha alcançado em Interlagos. Deu cinco voltas na pista e bateu três recordes. Foi infeliz e teve um acidente. Contam que talvez nunca mais possa voltar às pistas.

Zoroastro Avon entre os valores novos se destaca como dos mais promissores. Seu problema para correr é o carro e provém claramente de motivos financeiros. Exemplo: na "24 Horas" dêste ano entrou com uma Simca e fêz bonito; mas para a "Mil Milhas" está no dilema da falta de automóvel. Avon é pilôto de provas da Simca e um dos grandes apaixonados pelo automobilismo esportivo; vive em função dêle. Um pilôto dos bons, que na última "24 Horas", não fôssem três infelicidades seguidas, deveria ter obtido melhor colocação que a quinta. Uma das suas últimas voltas na pista, neste dia, diz bem o que é o Avon. Êle passou em frente ao boxe emparelhado com o JK de um dos Varanda. Nas retas, o JK sempre "tirava" uns 100m, que o Avon ia recuperar entrando "pendurado" nas curvas. Assim foram, o Simca na cauda do JK, até a Curva do Sol. Foi então que o Avon deu tudo o que podia, entrou por fora e "alinhou os focinhos". De relance cada um dos pilôtos olhou para a cara do outro; os dois carros derraparam e largaram borracha na pista. O gesto de Avon foi o mais impulsivo. Acelerou tudo, ultrapassou, para chegar na curva seguinte, a do Sargento (uma curva fechadíssima), a 145 Km por hora, olhando o JK pelo retrovisor. Entrou e saiu da curva de tal jeito que o pilôto do JK desistiu do "pega".

Por fim, um gaúcho chamado Herinque Iwers, que está habituado a correr sempre com seu "papai" (é pai dêle, mesmo, chama-se Karl Iwers e trata-se de corredor dos melhores). Enquanto os outros gaúchos costumam aparecer em Interlagos de "carretera" ou de Simca, êstes preferem o DKW. Correm de modo bastante regular, prova-o isto a quinta colocação no índice de performance da "24 Horas" última, e cuidam bem da parte mecânica. Pai e filho já se equivalem, mas dizem que êste tem futuro bastante promissor.

Venceram êste ano a categoria "até 1500 cc" da prova citada. Na entrega de prêmios da última "24 Horas" desabou sôbre pai e filho uma chuva de prêmios, a maioria dos quais na moeda da Alemanha. Explique-se: a Auto Union mandou distribuí-los entre os primeiros colocados da categoria até 1500 cc. Voltemos ao Henrique: na próxima Mil Milhas êle estará novamente em Interlagos, com o papai e o DKW. Reparem no garôto, nas "peruadas" que êle dá sôbre a mecânica do carro e no modo dêle correr ...