terça-feira, 18 de setembro de 2018

INGO HOFFMANN




1976 -           Boa, Alemão, muito boa ...

                              Grande, Formigão...

Dois amigos mais chegados tentaram entoar um pique-pique quando o Ingo Hoffmann desligou o motor do seu FD03, já dentro do boxe da equipe Copersucar/Fittipaldi, mas acabaram desistindo.

Todos os jornalistas, curiosos, mecânicos e visitantes, que tinham conseguido entrar e ficar dentro do boxe, mostravam-se mais interessados nas explicações que Emerson Fittipaldi dava sobre sua corrida e sobre o comportamento do FD04.

Ingo desceu do carro, pediu uma garrafa de água, tirou o capacete, deixou a cabeça nua, tomou um bom gole e derramou o resto para que escorresse pelo rosto suado. Passou as mãos pela cabeça, sorriu ligeiro para os amigos que tentavam incentivá-lo, falou baixinho no ouvido de Ruth, sua mulher, deu meia volta e foi relaxar num canto da enfermaria de Interlagos.

Ruth sorriu com o que Ingo lhe segredou, atendeu a um chamado de Suzi, mulher de Wilsinho Fittipaldi, e balançou os dois braços, que estavam caídos junto ao corpo.

"Ele disse que ainda está tremendo."

Nem Dustin, seu pai, conseguiu arrancar de Ingo mais palavras do que ele disse no caminho entre o boxe e a enfermaria.

"Foi ótimo. Acho que tudo acabou acontecendo exatamente como eu queria e podia esperar. O "táxi" (apelido dado ao Copersucar FD03, porque, embora não chegue nunca entre os primeiros, nunca ou quase nunca quebra) deu o que podia dar e eu cheguei até o fim da prova.

Que mais poderia querer ?

Não atrapalhei ninguém, nem tentei correr entre os primeiros. Não adiantaria."

Ingo contou ainda que seu carro teve problemas de freios, um defeito que sempre existiu, desde os tempos em que era guiado por Wilsinho, e que correu com esse problema desde a nona ou décima volta.

"Procurei não atrapalhar ninguém e acho que só errei feio uma vez, entre as Curvas 1 e 2, quando o carro ficou um pouco desgovernado. Pensei que ia rodopiar, mas consegui endireitá-lo a tempo. "

Depois disso, Ingo recolheu-se e só deixou a enfermaria de Interlagos muito tempo depois, quando o boxe já estava vazio, tranqüilo, e quando seu companheiro de equipe, Emerson Fittipaldi, já havia deixado a pista, indo para casa.

"Ele é assim mesmo. Um garotão muito quieto, muito tranqüilo. Gosta de ficar isolado, geralmente não mostra estar dominado pelos nervos, mas não suporta muitas perguntas. Esses dias todos, ninguém da família lhe fez qualquer pergunta sobre o carro, a corrida, sobre qualquer coisa de automobilismo. O pouco que ficamos sabendo foi por respostas curtas que ele andou dando aos amigos e as visitas que apareceram lá em casa. Nem para mim, seu pai, ele gosta de falar provocado.

Pode ser hoje, depois de um bom banho, de se relaxar direitinho, ele conte coisas com detalhes. Mas o mais provável mesmo é que ele só comece a falar depois de dois ou três dias no Guarujá, quando ele achar que deve.

É um defeito de família não gostar de perguntas."



Ingo foi o primeiro piloto a chegar a Interlagos na sexta-feira, dia do primeiro treino oficial. Trocou-se em poucos minutos, colocou os óculos escuros, calçou um par de galochas para não molhar as sapatilhas e por várias vezes deixou o canto do boxe, onde se refugiou, para olhar o tempo.

"Esse tempo não está agradando. Choveu muito esses dias e ainda pode chover mais. Para mim não é bom."

Andaria pela primeira vez num Fórmula 1, em Interlagos (deu algumas voltas em Silverstone, Inglaterra), e não lhe agradava a idéia de estrear na chuva.

Além disso, ele sabia bem que Interlagos não é exatamente a melhor pista para um iniciante em Fórmula 1. Nem mesmo para ele que tantas vezes correu por ali num Fusca "envenenado" ou num Super-Vê bem ajustado.

"É uma pista muito difícil e muito longa. Às vezes eu errava numa curva e na volta seguinte já não me lembrava qual era para não cometer o mesmo engano."

Durante os treinos, Ingo rodou apenas duas vezes. Na sexta-feira rodou na entrada do S e no sábado rodou na curva do Pinheirinho. Mas não foram apenas as dificuldades de Interlagos que fizeram Ingo seguir à risca os conselhos dados por Wilsinho e Emerson, procurando apenas terminar a prova e adaptando-se o máximo possível ao carro e à Fórmula 1.

Foi também a pouca ajuda que pôde receber do carro; um modelo antigo, muito difícil de ser guiado em Interlagos porque sai muito de frente nas curvas de alta velocidade e foi o nervosismo que ele não conseguiu disfarçar. Ingo parecia tão tenso que, por quatro ou cinco vezes, um mecânico lhe perguntou se não tinha se esquecido de como mexer em cada um dos botões do painel do carro.

Suava muito, estava sempre esfregando as mãos e tantas vezes estalou os dedos que um dos muitos amigos que torciam por sua sorte, chefe da equipe em que corria na Fórmula 3, foi à sua casa para lhe dar alguns conselhos.

"O problema é que você não relaxa," lhe disse Clive Santo.

"Você esta aqui conversando com a gente, mas ao mesmo tempo está guiando o carro, está preocupado com o que vai ou não fazer. Não pode. Você tem que ser mais frio, calculista, tranqüilo."

Uma observação igual à feita por Ruth, sempre atenta aos seus movimentos e sempre procurando não tirá-lo do seu mutismo, do canto onde se recolhia.

"Antes da corrida, eu senti que ele vivia três estados completamente diferentes. Tinha ansiedade para que tudo começasse logo, sentia medo e passava por momentos de profunda tranqüilidade."

Nos três dias, sexta-feira, sábado e domingo, fez quase que a mesma coisa.

Foi deitar-se às 10 horas, dormiu bem, tranqüilo, sem pesadelos, levantou-se às 7:30 horas, tomou café, leu os jornais, comeu bastante chocolate, separou frutas frescas, sais minerais, arrumou tudo, pegou o carro e foi para a pista com a mulher.

Embora o trânsito estivesse um pouco ruim, Ingo pareceu tranqüilo, não buzinou nem reclamou, como faz normalmente.

Gostou do tempo que fez no primeiro dia de treino: 2min40s86/100, achou que não progrediu no dia seguinte, apesar de ter baixado um pouco: 2min40s67/100 e considerou sua corrida bem normal.

"Não deu para sentir nada muito diferente. Andei mais ou menos tranqüilo e, como nunca participei da briga por qualquer posição, só senti alguma coisinha que pude notar quando quase rodei entre as Curvas 1 e 2."

Depois dos terinos, quando um amigo, mostrando anotações, perguntou por que estava andando bem no miolo, chegando mesmo a se aproximar do grupo mais forte, e perdendo velocidade nas retas, ficando longe dos outros carros, Ingo foi tranqüilo, sincero e brincalhão :

"Não é no carro que está faltando alguma coisa, não. É no piloto mesmo. Falta coragem para enfiar a bota. Ainda falta."

Na prova também não lhe faltou nada. Até mesmo o fato de sua melhor volta ter sido pior que a de todos os carros que conseguiram andar, estava dentro de seus planos.

Fez uma corria tranqüila, sem erros grosseiros, deu passagem a quem deveria dar, não passou ninguém e acabou em 11º lugar, na frente de Carlos Reutemann, Emerson Fittipaldi e Lella Lombardi, entre os que receberam a bandeirada, embora todos tenham parado no boxe e ele, não.

Não ganhou prêmios, fugiu dos abraços e do pique-pique que dois amigos ensaiaram, mas ganhou a confiança de algumas pessoas bem importantes em sua carreira. Do pai, que saiu de Interlagos achando que ele tem cuca, que não é de fazer besteiras e que já está começando a entender do assunto. E de Wilsinho, seu chefe.

"Ele foi até melhor do que devia. fez o que mandamos e mesmo sem ter um carro em melhores condições acabou a corrida num bom lugar. Mostrou que eu não estava errado quando o convidei em agosto do ano passado e que vai melhorar muito, quando pegar o carro novo, no Grande Prêmio dos Estados Unidos ou da Espanha."